sábado, 3 de outubro de 2009

‘Eisegeses‘ Famosas


‘Eisegeses‘ Famosas

Marcelo Lemos

O leitor certamente saberá definir o termo “exegese”. O termo vem do grego exegeomai, exegesis: ex tem o sentido de extrair, externar, exterioriar, expor. Daí, muitos darem para o conceito a famosa definição “conduzir para fora”; que alguns desavisados anunciam pleonasticamente como “retirar para fora” (he, he).

Portanto, exegese, como Interpretação da Bíblia, significa o exercício de compreender o que diz o Santo Texto, para então trazer ao leitor atual o seu real significado. Como ferramentas de apoio, o exegeta se vale de gramáticas, dicionários, léxicos, comentários, pesquisas históricas e geográficas, enfim. Todo e qualquer recurso que possa lançar luz sobre “o que está escrito”, poderá ser utilizado pelo interprete das Escrituras.

Não falaremos sobre a exegese neste artigo. Hoje, pretendemos tecer algumas linhas sobre sua principal rival: a eisegese. Ainda que você não saiba o que o termo significa, esteja certo de já ter sido vitima dela, e, quem sabe, ter vitimado alguém com ela.

Por eisegese, compreendermos todo movimento feito a partir de um texto bíblico, indo na direção contrária da proposta pela exegese.Em outras palavras, se a exegese dedica-se a revelar ao leitor o que o texto diz, extraindo dele, o texto, seu significado original; a eisesege, por sua vez, ter sido vitima dela, e, quem sabe, ter vitimado algupal rival: a eisegese. dedica-se a inserir no texto algum significado que o leitor acha que este possui, ou meramente quer que possua.

Para que possamos compreender um pouco mais a questão, passaremos a listar e comentar algumas das eisegeses mais famosas que conhecemos, e também algumas bem hilárias.

As Sobras da Santa Ceia

Que devemos fazer com o pão e o vinho que sobram da Mesa do Senhor? Para muitos a pergunta não tem nenhuma razão de ser. Todavia, eu cresci numa congregação onde as sobras erram obrigatoriamente jogadas em água corrente. Somente muitos anos depois, é que foi conhecer irmãos que pegam as sobras e, por exemplo, davam para as crianças comerem após o culto!

Recordo de ter presenciado uma irmã, que visitava nossa Igreja, quase sofrer um “treco” quando as filhas de nosso pastor pegaram as sobras da Mesa e começou dar aos pequeninos. Na ocasião eu não tinha mais qualquer pudor sobre o assunto, mas, para ela, aquilo era verdadeira blasfêmia, e foi preciso algum esforço para acalmá-la.

Quais justificativas bíblicas alegam aqueles que jogam os restos da Mesa em água corrente? Talvez o leitor conheça outra, a que conheço se vale do texto de Eclesiastes 11.1; no qual se lê:

Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás – Eclesiastes 11.1.

Basta estabelecermos o fato de que no tempo de Salomão não existe algo como a “Ceia do Senhor”, para verificarmos que tal interpretação não é, de fato, exegese. Aqueles que assim a interpretam, nada mais fazem que jogar sobre o texto o significado que bem deseja, arrumando uma pseudo-base-biblica para seu estranho dogma.

A Barba de José

A cerca de um ano foi muito contente ouvir um determinado pastor, num culto que nós assembleianos intitulamos “de doutrina”. Era a minha primeira vez, ouvindo-o; e muita expectativa me acompanhava, de tão bem ter do mesmo escutado falar. E, em geral, não me decepcionei, pois o mesmo manteve uma linha de exposição bíblica muito sóbria, tranqüila, quase um diálogo com a Igreja (que, claro, estava abarrotada de gente!Graças a Deus!).

Porém, algo estranho aconteceu quando ele quis corrigir alguns membros da Igreja, provavelmente entre os jovens, que estavam ousando usar barba. Como sabem, a maioria dos assembleianos não aceita aqueles ‘pelinhos’ que crescem no rosto dos homens; só bigode!

Qual a razão para proibição tão esquisita? Aí veio meu susto. Eu esperava que o pastor se referisse a questão dos “costumes”: eu mesmo faço isso inúmeras vezes. Por exemplo, um jovem me pergunta: “Posso subir no altar de jeans?”. A isso respondo: “Biblicamente não há pecado nenhum em fazer tal coisa, todavia, nós assembleianos adotamos costume diferente. Se você subir no altar de jeans, não peca por isso; mas pode estar levando a alguém a se escandalizar. O que você prefere?”.

Biblicamente falando, escandalizar um irmão mais fraco na fé, quando se pode evitar, é pecado. Tenho tal convicção muito forte comigo. E tal atitude não significa me submeter ao legalismo, antes, significa cuidar para que aqueles que estão ligados a ele, não deixem, por causa de um capricho meu, de conhecerem a liberdade cristã.

Mas, o querido pastor fez algo diferente. Mandou que abríssemos a Bíblia na passagem onde alguém diz ao prisioneiro José que o Faraó desejava falar com ele. O texto bíblico diz que José tomou um gostoso banho e barbeou-se. Pronto! Eis a base do argumento: se José barbeou-se para apresentar-se perante um Rei humano, como nós ousaríamos nos apresentar perante o Rei do Universo, com a barba por fazer?

A Imagem da Besta

Foi hilário andar por uma famosa marginal de São Paulo e ler o imenso cartaz que dizia: “A Televisão é a Imagem da Besta”. Sem que ninguém precisasse me dizer, eu sabia exatamente de qual mente sóbria tal afirmação havia brotado. Se você pensou no famoso missionário voz-do-pato-donald, pensou igual a mim!

Mais diversão só quando o escutei, no rádio, dando a base bíblica para tal afirmação. Segundo o voz-do-pato-donald, a imagem da besta era a televisão, pois;

a) A imagem da besta deixaria um “sinal na mão” dos pecadores. A televisão deixa um sinal na mão de quem a assiste: o controle remoto!

b) A imagem da besta faria grandes sinais “na vistas” dos pecadores. Isso a televisão também faz. Certamente nela você vê cavalos falando, formiginhas dançando, homens voando e parando balas no peito! Tanto milagre assim só pode ser coisa da “besta”, oras bolas! O Pato Donald só se esqueceu de um detalhe: João diz que os milagres eram feitos pela Besta, e não pela “imagem da besta”.

c) A “imagem da besta” era um ser sem vida, porém, foi lhe dado um espírito para que “falasse”. Ora, ouvinteeeeeeeeees!; qual a única imagem que conhecemos que tem o “poder” de falar? A televisão, claro! Vamos deixar passar que a televisão não recebeu nenhum espírito, apenas energia elétrica e um sinal de ondas…

O Culto Racional, e a Ração do Papagaio…

Essa também foi hyper-divertida. Quase na mesma época que o Encardido virou dono, e o milagreiro que fez a tv “falar”, a esposa do mesmo missionário resolveu dar uma série de estudos bíblicos no rádio. Sim, no rádio, pois televisão é coisa do Capeta, hein?

Então, ela leu a seguinte passagem bíblica:

Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional – Romanos 12.1.

Confesso que a escolha do texto me surpreendeu, e fiquei esperando para ver o que a palestra me reservava. Então, tive que ouvir o seguinte discurso;

O crente, meus queridos, não deve gastar seu tempo com aquilo que não alimenta a sua alma. Alguns irmãos acham que não é nada demais ouvir uma música mundana, ou assistir um programinha de televisão.

A Bíblia diz que devemos apresentar a Deus um culto racional. Vocês sabem o que “racional” significa? O termo “racional” vem de “ração”. Como sabem, “ração” é um alimento diário, absolutamente necessário. Por isso, o crente precisa alimentar sua alma com a ração que Deus nos dá: a Palavra de Deus. Porém, muitos estão alimentando sua alma com coisas mundanas…

Eu, ouvindo assombrado tão erudita explanação, não sabia se ria, ou chorava…

Se fossemos continuar escrevendo sobre este assunto, provavelmente reuniríamos várias páginas de eisegeses que conhecemos.Por isso decidi comentar apenas algumas das mais bizarras que já presenciei. E você? Conhece alguma boa eisegese para compartilhar conosco? Deixe seu comentário!

Paz e bem!



Márcio Melânia

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