quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A Transmissão do Antigo Testamento


A Transmissão do Antigo Testamento

É provável que possua na sua própria língua um exemplar do Antigo Testamento, também chamado de Escrituras Hebraicas. Esta parte hebraica da Bíblia Sagrada contém alguns capítulos e versículos isolados escritos em aramaico. A escrita das Escrituras Hebraicas (AT) foi terminada há mais de 2.400 anos.

Pode ter a certeza de que seu exemplar das Escrituras Hebraicas representa aquilo que foi escrito originalmente? Alguns acham que milhares de anos de copiar e recopiar certamente devem ter obscurecido o texto das línguas originais, além de qualquer reconhecimento. Mas aconteceu isto realmente? É interessante considerar algumas informações básicas sobre como estes escritos foram transmitidos através dos séculos.

Desde o começo da escrita da Bíblia, houv e empenho em preservar a Palavra de Deus. As Escrituras declaram que Moisés ordenou aos levitas que preservassem “este livro da lei” em benefício das gerações subsequentes. (Deuteronômio 31:25, 26) Deus ordenou aos reis de Israel que fizessem para si “uma cópia desta lei”, quando assumissem o trono. — Deuteronômio 17:18.

Mais tarde, surgiu uma necessidade especial de cópias das Escrituras Hebraicas, no tempo de Esdras, um sacerdote que, junto com outros judeus, subiu de Babilônia para Jerusalém, no sétimo ano do rei persa Artaxerxes (468 a.C.) - Esdras 7:1-7) Milhares de judeus haviam decidido permanecer em Babilônia e outros haviam sido espalhados, por causa de migrações e por motivos comerciais. Em diversos lugares surgiram salões locais de assembléia, conhecidos como sinagogas, e, para elas, os escribas precisavam fazer, à mão, cópias dos manuscritos bíblicos. O próprio Esdras é identificado como “copista destro da lei de Moisà ©s” e como “copista das palavras dos mandamentos de Yahweh dos Seus regulamentos para com Israel”. — Esdras 7:6, 11.

I. O TRABALHO DOS “SOFERINS”

A partir dos dias de Esdras, e por uns mil anos, os copistas das Escrituras Hebraicas eram conhecidos como “soferins”. Uma antiguíssima tradição rabínica relaciona este título com o verbo hebraico (safar) que significa “contar”, dizendo: “Os primitivos eruditos eram chamados Sof’rim, porque contavam todas as letras na Tora”, quer dizer, no Pentateuco, ou nos primeiros cinco livros da Bíblia. Tal empenho meticuloso assegurou alto grau de exatidão na transmissão das Escrituras Hebraicas.

É claro que séculos de produção de cópias resultaram, naturalmente, em que alguns erros se introduzissem no texto bíblico, hebraico. Há evidência de que os soferins até mesmo fizeram algumas poucas mudanças intencionais. Por exemplo, copistas muito posterior es na história alistam 134 lugares onde os soferins mudaram o texto original hebraico para orar Adonai [“Senhor”] em vez de o nome pessoal de Deus, IHVH [“Yahweh”]. Felizmente, porém, estes escribas indicaram onde fizeram as mudanças, de modo que estudiosos subsequentes soubessem o que o texto dizia originalmente.

De acordo com a tradição judaica, antes da destruição do Templo, em Jerusalém, em 70 d. C., fizeram-se esforços estrênuos de voltar ao que o texto bíblico hebraico dizia originalmente. Sobre isso escreve Robert Gordis em O Texto Bíblico: “Os guardiães do texto bíblico encontraram um manuscrito antigo, meticulosamente escrito, e constituíram-no em base para o seu trabalho. Tomaram-no como arquétipo, do qual se deviam fazer todas as cópias oficiais e segundo o qual todos os manuscritos em mãos particulares podiam ser corrigidos daí em diante.”

A literatura rabínica menciona uma cópia hebraica do Pentateuco conhec ida como o “Rolo dos recintos do Templo”, que servia de modelo para a revisão das novas cópias. Faz-se também menção de “corretores de livros bíblicos em Jerusalém”, que recebiam seu salário do tesouro do Templo.

II. O TEXTO “MASSORÉTICO”

Originalmente, os manuscritos da Bíblia hebraica foram escritos apenas com consoantes. O alfabeto hebraico não possui letras vocálicas, tais como as nossas a, e, i, o, u. Mas, se olhar hoje para uma Bíblia hebraica impressa, notará que acima, abaixo ou no meio de cada palavra há pontos, traços e outros sinais. Por que foram estes acrescentados ao texto das Escrituras Hebraicas? Porque as palavras hebraicas escritas apenas com consoantes muitas vezes podem ser pronunciadas de várias maneiras diferentes, com variações de sentido. Os pontos vocálicos e os acentos servem para proteger a pronúncia tradicional de cada palavra.

Os pontos vocálicos e os acentos são a obra de copistas especialmente peritos, que viviam durante o sexto e até o décimo século d.C. Estes escribas vieram a ser conhecidos como baalei ha-masoreth (“senhores da tradição”) ou “massoretas”. O texto hebraico com pontuação vocálica, portanto, é chamado texto “massorético”.

Os massoretas não mudavam nada quando copiavam os manuscritos da Bíblia hebraica. Examinavam todas as formas incomuns de palavras, fazendo anotações sobre elas nas margens dos manuscritos massoréticos. Estas notas são chamadas “massorá”. Um método muito abreviado de anotações, conhecido como a “pequena massorá”, aparece nas margens, ao lado do texto da Bíblia hebraica. As margens no alto e ao pé das páginas contêm a “grande massorá”, que suplementa a pequena massorá. No fim de alguns manuscritos massoréticos encontra-se uma “massorá final”, parecida com uma concordância.

Tais anotações revelam que os massoretas havi am acumulado enorme quantidade de informações para a preservação fiel do texto bíblico. Segundo Robert Gordis, “contavam as letras da Escritura, determinavam a letra central e o versículo central da Torah [Pentateuco], fixavam a letra central da Bíblia como um todo, compilavam listas extensas de formas bíblicas raras e únicas, alistavam o número de ocorrências de milhares de palavras e usos bíblicos — tudo para ajudar a protegê-la contra alterações e impedir que escribas introduzissem mudanças no texto aceito.”


Por exemplo, a pequena massorá observa que a primeira palavra de Gênesis, bereshith (muitas vezes traduzida: “No princípio”), ocorre cinco vezes na Bíblia, três vezes no começo dum versículo. Muitas palavras, em quase cada página dos manuscritos bíblicos massoréticos, são marcadas na margem pela letra hebraica lamedh (ל). Esta letra (equivalente ao nosso “l”) é uma abreviatura da palavra leit, que é aramaica para “não há nenhuma”. Indica que a expressão, assim como aparece naquele ponto, não ocorre em nenhum outro lugar. Sobre a massorá, Ernst Würthwein observa em O Texto do Antigo Testamento:

“Muitas vezes, tais anotações massoréticas nos parecem forçadas, frívolas e sem finalidade. Mas, precisamos lembrar-nos de que são o resultado do desejo apaixonado de proteger o texto e de impedir erros deliberados ou descuidos do escriba, . . . A massorá dá testemunho da revisão extremamente precisa do texto, que merece nosso respeito, embora sempre haja o perigo de que no cuidado com a letra do texto seu espírito tenha sido despercebido.”

III. A EXATIDÃO É CONFIRMADA PELOS ROLOS DO MAR MORTO

Pesquisas feitas na região do Mar Morto encontraram numerosos rolos hebraicos, escritos antes de Cristo. Muitos deles contêm partes das Escrituras Hebraicas. Como se comparam eles com os manuscritos massoréticos, produzidos uns mil e tantos anos mais tarde?

Num estudo, examinou-se o capítulo cinquenta e três de Isaías, tanto no Rolo de Isaías do Mar Morto, copiado por volta de 100 a.C., como no texto massorético. Norman L. Geisler e William E. Nix apresentam os resultados deste estudo em Uma Introdução Bíblica:

“Dentre as 166 palavras em Isaías 53, há apenas dezessete letra s em dúvida. Dez destas letras simplesmente são questão de grafia, que não afeta o sentido. Mais quatro letras são mudanças estilísticas menores, tais como conjunções. As remanescentes três letras abrangem a palavra ‘luz’, que é acrescentada ao versículo 11, e não afeta muito o significado. . . . Assim, em um só capítulo de 166 palavras, há apenas uma palavra (três letras) em dúvida, depois de mil anos de transmissão — e esta palavra não altera significativamente o sentido da passagem.”

Outra publicação observa que este rolo é uma cópia adicional de partes de Isaías encontrada perto do Mar Morto, “mostraram ser palavra por palavra idênticos à nossa Bíblia hebraica comum, em mais de 95% do texto. Os 5% de variação consistem principalmente em lapsos óbvios da pena e em variações de grafia”.

Portanto, quando ler o Antigo Testamento, ou as Escrituras Hebraicas, pode confiar em que a sua Bíblia se baseia num text o hebraico que transmite com exatidão os pensamentos dos escritores inspirados de Deus. (2 Timóteo 3:16) Milhares de anos de produção profissional, meticulosa, de cópias asseguram o que Deus predisse há muito: “Secou-se a erva verde, murchou a flor, mas, quanto à palavra de nosso Deus, ela durará por tempo indefinido.” — Isaías 40:8.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Cultura. A fé cristã é contra, ou a favor?


Cultura. A fé cristã é contra, ou a favor?

Gn 1.24-31 e Gn 2.8-20

© F. Solano Portela Neto, 1999

1. O que é cultura?

Definir cultura não é uma tarefa fácil. Ricardo Gondim, em seu livro “É Proibido” (Mundo Cristão, 1998) indica que os antropólogos já criaram mais de trezentas definições. Você, possivelmente, já ouviu ou falou a expressão: “isso faz parte do contexto cultural”? Ou, com certeza, você já ouviu palestras sobre “missões transculturais” . Mas como poderíamos definir esse conceito? Nos dois sentidos empregados acima, cultura se refere ao conjunto de características peculiares que identificam uma sociedade, em uma determinada época. Mas, em outro sentido, cultura é mais do que isso. A palavra em si vem do latim e significa “trabalhar o solo” ou “cultivar”. No seu sentido mais amplo, representa o resultado da aplicação do conhecimento humano no desenvolvimento de obras e atividades que possuem mérito e qualidade, bem como o envolvimento de outros na apreciação e apreensão dessas. Neste artigo, Gostaríamos de discutir um dilema freqüentemente: aquele que coloca a fé cristã em antagonismo com a cultura, levando o crente a um isolamento social ou a uma aceitação indiscriminada de todos os aspectos da sociedade em que vive.

Um dos problemas que confrontamos é que a visão da sociedade secular tende a classificar como “cultura” tudo o que caracteriza uma sociedade, considerando essas formas de expressão como moralmente neutras. Ou seja, tudo que um povo produz é considerado “cultura”, seja ela erudita ou popular. Não existe o certo ou o errado, quando se trata de cultura, é apenas uma questão de usos e costumes. Essa compreensão não é bíblica. O crente tem que ter sempre o discernimento moral para separar formas comportamentais que não condizem com a Palavra de Deus, independentemente se são classificadas como “cultura”, popular ou não. Muitos líderes evangélicos têm também aceito esse conceito e procuram uma adaptabilidade total da fé cristã. Qualquer tentativa de correção de aspectos culturais é rotulada de “ocidentalizaçã o do evangelho”, ou violência cultural. Chega-se ao ponto de se dizer que temos que ter “teologias regionais”, ou seja – uma teologia sul-americana, uma outra africana, e assim por diante – como se os princípios descritivos revelados de Deus não tivessem uma fonte única e imutável – a Sua Palavra.

Não podemos, portanto, simplesmente aceitar uma civilização como ela é sem termos a visão clara do que ela tem contrário à palavra de Deus. O apóstolo Paulo, o maior “missionário transcultural” , não hesitou em fazer observações que, nos dias de hoje seriam consideradas “politicamente incorretas” sobre os habitantes da Ilha de Creta – cultura na qual estava inserido o jovem pastor Tito. Paulo, citando um próprio poeta daquele povo (Epimênides) diz em Tito 1:
Porque existem muitos insubordinados, palradores frívolos, e enganadores, especialmente os da circuncisão. É preciso fazê-los calar, porque andam pervertendo casas inteiras, ensinando o que não devem, por torpe ganância. Foi mesmo dentre eles, um seu profeta que disse: Cretenses, sempre mentirosos, feras terríveis, ventres preguiçosos. Tal testemunho é exato. Portanto repreende-os severamente, para que sejam sadios na fé. (vs. 10-13)
Paulo reconhece, então, que existiam comportamentos genéricos que caracterizavam aquela cultura e vários desses eram desvios do comportamento que Deus espera dos seus servos. Tito, em seus esforços para edificar aquela igreja, tinha que reconhecer que muito dessa “cultura” havia sido trazida para dentro (1.5). Ele tinha que rejeitá-la e “repreender severamente” (v. 13) e “com toda autoridade” (2.15) os que refletiam tal “comportamento cultural típico dos cretenses” dentro da igreja.

Nossa responsabilidade de transmitir e viver adequadamente o evangelho em qualquer cultura, não nos libera de estarmos alerta aos aspectos antibíblicos exibidos na formação dos povos. Por exemplo, por mais cultural que seja e por mais que faça parte de nossa formação, do ponto de vista bíblico nada existe de recomendável para o famoso “jeitinho brasileiro”. O livro já mencionado de Ricardo Gondim, que é polêmico e desafia o nosso pensamento, e, em muitos sentidos, é muito bom, falha ao aceitar a opinião de E. A. Nida, que um cordão para cobrir o corpo de uma mulher é uma questão cultural, dentro da visão indígena, nada tendo de imoral (p.31).Mas será que “cultura” é algo tão supremo e destituído de valor moral, assim? Não foi o próprio Deus que vestiu o homem caído em pecado (Gn. 3.21)? Não seria a exiguidade de roupas dos índios, junto com seus costumes de explorar as mulheres no trabalho e até de assassinar as primeiras crianças, quando são do sexo feminino, uma evidência de uma sociedade distanciada dos princípios de Deus, carente do evangelho salvador de Cristo? Será que os missionários terão que preservar todos os aspectos daquela sociedade – porque se constituem em “cultura”, ou deverão procurar reformá-la e transformá-la à luz da Palavra? E nós, que faremos em meio à nossa sociedade? Vamos aceitar também “a dança do tchan” como uma expressão cultural inocente, ou vamos reconhecê-la como a banalização da imoralidade que é?


2. O que tem o crente a ver com a cultura?

Por outro lado, existe a cultura verdadeira. O resultado do conhecimento aplicado no caldeirão das peculiaridades e diversidades operadas por Deus em todos os povos. Enquanto muitos crentes não exercitam discernimento e aceitam tudo que é classificado como “cultura” sem se preocupar com a adequação moral e bíblica do que é apresentado, outros têm a compreensão que qualquer coisa produzida fora da igreja, sendo do campo “secular” não deveria ser apreciada. Qual deve ser a abordagem equilibrada desta questão? O que tem a Palavra de Deus a nos ensinar? O Salmo 24 nos diz, “Do Senhor é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam.” A verdade é que a visão bíblica não faz uma separação entre o secular e o sagrado. Todas as coisas pertencem a Deus. O Diabo tem atuado temporariamente na terra, mas ele é um usurpador–ele não é o rei por direito. Sabemos que um dos sinais da vitória final de Jesus Cristo é que Deus o exalta, “... para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra”(Fl 2.13). As demandas de Deus caem sobre todos os homens, crentes e descrentes. Seus mandamentos são válidos em todas ocasiões e situações. Deus é a fonte de tudo que verdadeiramente tem valor e de todo o desenvolvimento veraz do conhecimento humano.


3. Cultura não é “coisa do mundo”?

Temos nos acostumado a identificar o mundo como sendo uma expressão que indica apenas algo material que podemos ver e tocar. Este tipo de compreensão coloca as coisas materiais como sendo a esfera de domínio de Satanás. Mas a Palavra de Deus nos instrui qual o verdadeiro conceito do “mundo”. Em Gl 5.19-22 temos bem clara a antítese que deve ser alvo de nossa preocupação–qual a diferença entre o mundo e o Reino de Deus:
1. O Mundo, está descrito nos versículos 19-21. Ele é o domínio daquilo que se constitui nas obras da carne.
2. O Reino de Deus, está nos versículos 22 a 26 e se constitui no Fruto do Espírito.
A separação que existe entre o bem e o mal é ético-religiosa, não é uma questão de matéria versus espírito. As coisas que constituem o bem são concretas, e são também espirituais. Por outro lado, as coisas que constituem o mal também são de natureza espiritual (Ef 6.12), isto é, não estão identificadas apenas com coisas e questões materiais.
Em outra passagem–1 Tm 4:3-4, Paulo fala contra os que proíbem “...o casamento, e ordenando a abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos com ações de graças pelos que são fiéis e que conhecem bem a verdade; pois todas as coisas criadas por Deus são boas, e nada deve ser rejeitado se é recebido com ações de graças”. Isto esclarece que a verdadeira religião não é ascética. Ascetismo é a separação artificial entre o mundo material (físico), supostamente inferior, e o mundo espiritual (metafísico), supostamente superior. Como já vimos em Gl 5, não podemos identificar maldade com matéria e bondade com espírito. Tudo procede de Deus. Tanto as coisas materiais como as espirituais são desvirtuadas pelo pecado e pelo diabo, subvertendo a ordem da criação. A idéia de que matéria é algo ruim é um conceito do monasticismo católico, dos escritos de Tomás de Aquino e do pensamento das religiões orientais, como por exemplo o Budismo e o Hare Krishna, mas não é uma visão bíblica da realidade.

Verificamos que criamos, na igreja, uma dissociação artificial entre o sagrado e o profano. Falhamos em reconhecer que todas as coisas provêm de Deus. Estamos em uma criação caída, sob o pecado, mas cabe a nós, servos fiéis, exercermos o domínio que nos foi outorgado por Deus, para a sua glória. Isso quer dizer procurarmos adquirir o melhor conhecimento e desenvolver a apreciação pelas coisas belas da criação e aquelas que Deus permitiu às pessoas desenvolverem. Ao mesmo tempo, devemos ter discernimento cristão para rejeitar as distorções malignas da cultura verdadeira.


4. Cultura e o domínio da Criação.

O homem é a coroa da criação, feito de uma forma toda especial à imagem e semelhança de Deus (Gn1.27). Tanto o homem quanto a mulher foram criação especial de Deus. Este tema é retomado e explicado em mais detalhes no capítulo 3 de Gênesis.

A maioria dos teólogos fiéis identificam a questão da “imagem de Deus” no fato de que o homem foi criado com a possibilidade de refletir certos aspectos das características de Deus (os chamados atributos comunicáveis) , como por exemplo conhecimento, justiça, santidade, amor (algumas características da divindade nunca foram compartilhadas ao homem–os atributos incomunicáveis– por exemplo, a eternidade, a absoluta perfeição e a imensidão de Deus). Em outras palavras, a imagem de Deus no homem torna este uma criatura moral. Esta imagem foi afetada pela Queda, pelo pecado, mas permanece como um diferencial do homem e será restaurada em sua plenitude na nossa glorificação (Rm 8.29; 2 Co 3.18). Calvino disse: “a imagem de Deus se estende a tudo aquilo que, na natureza do homem, excede o que existe nos animais” (Institutas, I, 15). A permanência de aspectos essenciais da imagem de Deus no ser humano, mesmo depois da queda, é comprovada, em adição, pela referência de Gn. 9.6.

O ser humano, com estas características, é, portanto, o recebedor capaz da delegação de domínio sobre a Criação recebida no em Gn1.28. Os versos 28 a 30 apresentam os primeiros mandamentos dados ao homem. Eles estabelecem a situação de primazia, comando e administração da criação, recebida diretamente de Deus. O homem não é um acidente na criação. Ele foi especialmente nela colocado, para servir a Deus, e a criação subsiste como base para servi-lo em seu propósito maior.

O capítulo 1º de Gênesis encerra-se com a declaração de adequação da criação, só que desta vez, em seu fecho, o texto sagrado apresenta um qualificativo a mais e registra que tudo quanto Deus fizera “era muito bom”! Gn 1.28 nos ensina, portanto, que Deus criou o homem e o comandou a “dominar a terra e a sujeitá-la”. Por esta razão colocou os outros seres viventes ao seu serviço e sob sua administração. Este mesmo comissionamento foi repetido em Gn 9.1-3, depois da queda e depois do Dilúvio. O exercício do domínio é impossível sem o conhecimento, logo isso tem muito a ver com cultura:

Significa que Deus dá legitimidade a todas as áreas do conhecimento e das atividades humanas (exceto, é óbvio, aquelas que representam envolvimento em práticas contrárias à Lei Moral de Deus) e que comanda as pessoas a desenvolverem o conhecimento verdadeiro sobre a sua criação. Todo o estudo das questões e matérias, à luz da Palavra de Deus, está dentro da legítima atuação do servo de Deus. Senão, como vamos “dominar a criação”?
1 Cor 10.31 nos indica como deve ser este envolvimento. Tudo que fazemos na vida, até as coisas mais mecânicas e instintivas, como o comer e o beber, deve ser feito com a plena conscientizaçã o da glorificação a Deus.

Esta era a visão de vida dos reformadores. Para eles o Cristianismo era vida e não apenas uma filosofia idealista compartimentalizada . Temos que ter cuidado para não apresentarmos a fé Cristã ao mundo como sendo um conceito distanciado que não interage com o dia-a-dia das pessoas.


6. Cultura e beleza foram utilizadas por Deus no Tabernáculo e no Templo.

O Tabernáculo: Em Ex 25.1-9, temos uma descrição de diversos tipos de matérias primas, trabalhos e artes utilizados sob o direcionamento e prescrição direta de Deus. Isso não somente legitima as diferentes profissões como também a arte e cultura contida em cada um dos artefatos descritos. Um artigo de uma autora cristã nos chama a atenção para o fato que “Deus permitiu que os israelitas recebessem jóias e roupas do povo do Egito e aceitou com agrado a contribuição voluntária de uma parte dessas para serem transformadas em utensílios e enfeites para o tabernáculo, o lugar em que Ele seria adorado. Moisés transmitiu a mensagem, Tomais, do que tendes, uma oferta para o Senhor; cada um, de coração disposto, voluntariamente a trará por oferta ao Senhor: ouro, prata, bronze, estofo azul, púrpura, carmesim, linho fino, pêlos..., peles..., pedras de ônix e pedras de engaste...(Ex 35.5-9). Êxodo 35 a 39 descreve a beleza desse tabernáculo e os detalhes das vestes dos sacerdotes, tudo do melhor e do mais bonito. Ouro, linho, pedras preciosas, anéis, argolas, coroa... Quando os israelitas tiraram o espólio do povo de Canaã, na medida em que Deus permitiu, ele nunca deu ordens para que deixassem de lado as jóias e roupas bonitas que estariam entre as riquezas que poderiam levar, nem que as aproveitassem de outra maneira.” Portanto, nas diretrizes bíblicas sobre a construção do tabernáculo vemos a aprovação divina de várias expressões de cultura e, o que é interessante, a apreciação de objetos de mérito procedentes de descrentes:

O Templo–Em 1 Reis 6.7 lemos sobre planejamento, arquitetura, engenharia. Em 7.14, sobre metalurgia e o trabalho específico em cobre. Sabemos que estas atividades não podiam ser executadas sem conhecimento e cultura. Academicamente falando, era necessário o saber das ciências exatas–matemática, física, química, além de habilidades artísticas reconhecidamente superiores. O Templo, que foi erguido como um símbolo (1 Reis 8.27) e um testemunho (1 Reis 8.41), é um selo de aprovação da parte de Deus nas apreciação naquilo que o homem pode produzir de belo e no conhecimento básico das diversas profissões, quando isso é encaminhado para a Sua glória.


7. A Cultura Real tem Mérito e Qualidade.

Já nos referimos à tendência de definir tão abrangentemente o conceito de cultura, que todas as formas comportamentais são aceitas como valiosas. Essa mesma tendência se estende a outras áreas de realizações humanas, como por exemplo as artes plásticas e a música. Somos ensinados, por algumas pessoas, que tudo que provêm espontaneamente de um povo deve ser aceito e até trazido para a igreja. É tudo uma questão de estilo, nos dizem. Será que é mesmo assim (Fl 4.8-9)?

Até os descrentes estão começando a abrir os olhos para um julgamento mais adequado do que é considerado “arte” e “cultura”.. O caderno regional de uma revista semanal de circulação nacional publicou, recentemente, um ensaio no qual o articulista descrevia a sua visita na Bienal de São Paulo (Veja, SP, 2.12.98, p.122), feita em companhia de um amigo, conhecedor de “arte”. Em frente a uma tela branca, o seu amigo conhecedor exclamava, entusiasmado: “É um marco!”. Intrigado com várias outras obras estranhas que recebiam a admiração do amigo, entre elas uma pedra cheia de chicletes pregados, ele indicou que não estava entendendo nada. O amigo entendido “explicou” ao apreciador perplexo: “A arte não lida com a beleza, mas com transgressão”. Certamente esse não é o critério de Deus. Por mais difícil que seja discernirmos os critérios de julgamento, nossa apreciação da cultura e das artes nunca pode desprezar a pergunta: “mas isso possui realmente qualidade e mérito?” Vimos que Deus, na criação, avaliou o que fez, passo a passo, e viu que era “bom”, ou seja – a criação possuía valor intrínseco. Semelhantemente Ele escolheu formas de artes que eram “belas” para os locais de adoração. Vamos, portanto, ser apreciadores da cultura real (popular ou erudita), que tem mérito e qualidade.

Conclusão

Muitas perguntas pairam sobre nossa cabeça e deveríamos nos esforçar para respondermos, biblicamente, a cada uma delas: Será que temos absorvido aspectos da nossa sociedade como “cultura” sendo que estes, na realidade, contrariam preceitos da Palavra de Deus? Que devemos dizer da “cultura de negócios” encontrada em nossa sociedade, será que ela agrada a Deus? Estamos nos destacando pelo nosso testemunho de contraste, ou pelo envolvimento inconseqüente com as manifestações “culturais” de nossa sociedade? Ou será que temos nos isolado indevidamente e falhado em reconhecer as bênçãos de Deus, providenciadas por sua graça comum, quando permite que o homem escreva, componha ou produza algo que é belo e agradável?

E a igreja? Tem ela absorvido aspectos de uma cultura que contraria a Palavra de Deus. Ou será que tem reagido de forma extremada, proibindo o que Deus não proíbe? E qual tem sido o impacto da cultura, ao longo da história, na liturgia da igreja? Qual deve ser o papel da igreja na transformação da cultura de um povo? Recentemente temos visto muitos artistas que se declaram convertidos, mas que não discernem nenhuma maldade ou imoralidade na forma de expressão que marcou suas carreiras, por exemplo: uma dançarina, meio cantora, famosa por suas músicas entremeadas de grunhidos e suspiros, pelas roupas sumárias que usa e por sua dança erótica de segundas implicações, continua a se apresentar e divulgar essa forma de “cultura” ao mesmo tempo em que se identifica com a igreja evangélica. Será que está certo, isso?

Que Deus possa nos conceder o discernimento necessário a vivermos vidas cristãs autênticas que O honrem em todos os aspectos de nossas vidas.

Leitura adicional:

Michael S. Horton, O Cristão e a Cultura (S. Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998).
Don Richardson, O Fator Melquisedeque (S. Paulo: Edições Vida Nova, 1986).
Ricardo Gondim, É Proibido ( S. Paulo: Mundo Cristão, 1998).
John Fisher, What on the World Are we Doing? (Ann Arbor: Vine Books, 1996).

Textos Bíblicos Relevantes:
Gn 1.24-31 A cultura é o produto do domínio da criação.
Ex. 25:1-16 Deus utiliza o produto da cultura no seu tabernáculo.
1 Pe 3.10-18 O crente consciente e integrado na sociedade, faz o bem.
Cl 1:9-18 Cristo deve ter a preeminência em tudo em todas as culturas.
Cl 1.19-28 Cristo é a plenitude de Deus para todas as culturas.
Jo 14.1-4 e 17.14-23 Cidadãos dos céus, mas unidos no mundo para transformar.
1 Co 10.26-31 Tudo deve ser feito para a glória de Deus.

sábado, 5 de setembro de 2009

NÃO DESPERDICE SEU CÂNCER


JOHN PIPER: NÃO DESPERDICE SEU CÂNCER


Escrevo estas palavras na véspera da cirurgia do câncer na minha próstata. Creio no poder de Deus para curar - por meio de um milagre e da medicina. Sei que é certo e bom orar pelos dois tipos de cura. O câncer não é desperdiçado ao ser curado por Deus. O SENHOR recebe a glória! Então, não orar pela cura pode desperdiçar seu câncer. Mas a cura não é o plano de Deus para todos. E existem muitas outras formas de desperdiçar seu câncer. Estou orando por mim e por você - para que não desperdicemos esta dor.



1. Você desperdiçará seu câncer caso não creia que isto foi planejado por Deus.

Não diga que Deus apenas usa nosso câncer, mas que não o planeja. O que Deus permite, Ele o faz por uma razão. E esta razão é a Sua vontade. Se Deus prevê desenvolvimentos moleculares tornando-se cancerígenos, Ele pode deter isto ou não. Se não, Ele tem um propósito. Por ser infinitamente sábio, é correto chamar este propósito de plano. Satanás é real e causa muitos prazeres e dores. Mas ele não é a causa última. Assim, quando ele atacou Jó com úlceras (Jó 2:7), Jó atribuiu-as a Deus (2:10), e o escritor inspirado concorda: "e o consolaram de todo o mal que o Senhor lhe havia enviado" (Jó 42:11). Se você não crê que seu câncer lhe foi planejado por Deus, você o desperdiçará.


2. Você desperdiçará seu câncer caso creia que ele é uma maldição , e não uma bênção.

"Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus" (Romanos 8:1). "Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós" (Gálatas 3:13). "Contra Jacó, pois, não há encantamento , nem adivinhação contra Israel" ( Números 23:23). "Porquanto o Senhor Deus é sol e escudo; o Senhor dará graça e glória; não negará bem algum aos que andam na retidão." (Salmos 84:11).


3. Você desperdiçará seu câncer caso procure conforto em suas chances em vez de procurá-lo em Deus.

O plano de Deus em relação ao seu câncer não é treiná-lo no cálculo de chances racionalistas. O mundo arranja conforto em estatísticas . Nós, não . Alguns contam com seus carros (porcentagens de sobrevivência) e outros contam com seus cavalos (efeitos colaterais do tratamento), mas nós confiamos no nome do Senhor, nosso Deus (Salmos 20:7). O plano de Deus é claro em 2 Coríntios 1:9: "portanto já em nós mesmos tínhamos a sentença de morte, para que não confiássemos em nós, mas em Deus, que ressuscita os mortos". O objetivo de Deus relativo ao seu câncer (entre várias outras coisas boas) é derrotar a autoconfiança em nosso coração para podermos descansar completamente nEle.


4. Você desperdiçará seu câncer caso se recuse a pensar na morte.

Todos nós morreremos caso Jesus não retorne em nossos dias. Não pensar sobre como seria deixar esta vida e encontrar Deus é tolice. Eclesiastes 7:2 diz: "Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete; porque naquela se vê o fim de todos os homens , e os vivos o aplicam ao seu coração". Como você pode aplicar esta verdade ao seu coração se não pensa nela? Salmos 90:12 diz: "Ensina-nos a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios". Contar seus dias significa pensar sobre quão poucos eles são e que terminarão. Como você conseguirá um coração sábio se você se recusa a pensar nisto?



5. Você desperdiçará seu câncer caso pense que "vencê-lo" significa sobreviver e não aproximar-se de Cristo.
Os planos de Deus e os planos de Satanás para seu câncer não são os mesmos. Satanás deseja destruir seu amor por Cristo. Deus planeja aprofundá-lo. O câncer não vencerá se você morrer, apenas se falhar em aproximar-se de Cristo. O plano de Deus é privá-lo do alimento do mundo e satisfazê-lo com a suficiência de Cristo. Isto tem o objetivo de ajudá-lo a sentir: "tenho também como perda todas as coisas pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor". E saber que "o viver é Cristo, e o morrer é lucro" (Filipenses 3:8; 1:21).


6. Você desperdiçará seu câncer caso gaste muito tempo lendo sobre o câncer e não o suficiente a respeito de Deus.

Não é errado ler sobre o câncer . Mas, o desejo de saber mais sobre a doença e a falta de zelo pelo contínuo conhecimento de Deus é sintomático no incrédulo. O alvo da dor é acordar-nos para Deus, colocar sensações e força no mandamento "Conheçamos, e prossigamos em conhecer ao Senhor" (Oséias 6:3), acordar-nos para a verdade de Daniel 11:32 : "O povo que conhece ao seu Deus se tornará forte, e fará proezas", tornar-nos carvalhos indestrutíveis e firmes : "antes tem seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e noite... (leiamos o Salmo 1). Que desperdício lermos dia e noite sobre o câncer e nada a respeito de nosso bom Deus.


7. Você desperdiçará seu câncer caso se isole em vez de aprofundar seus relacionamentos.

Quando Epafrodito trouxe ofertas enviadas pela igreja de Filipos para Paulo, ele ficou doente e quase morreu. Paulo diz aos filipenses: "porquanto ele tinha saudades de vós todos, e estava angustiado por terdes ouvido que estivera doente" (Filipenes 2:26). Não diz que estavam angustiados porque Epafrodito estava doente , mas que ele estava porque os irmãos ouviram que ele estava doente. Este é o tipo de coração que Deus pretende criar com o câncer: afetivo e preocupado com as pessoas. Não desperdice seu câncer voltando-se para si mesmo.


8. Você desperdiçará seu câncer caso se entristeça como quem não tem esperança.

Paulo usa esta expressão para designar pessoas cujos entes queridos haviam morrido: "Não queremos, irmãos , que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais como os outros que não têm esperança" (1Tessalonicenses 4:13). Existe tristeza na morte. Mesmo para o crente que morre, há uma perda temporária - a perda do corpo, de entes queridos e do ministério terreno. Mas a tristeza é diferente - é permeada pela esperança – leiamos 2 Coríntios 5:8. Não desperdice seu câncer ficando triste como quem não tem esperança.

9. Você desperdiçará seu câncer caso trate o pecado tão normalmente quanto antes.

Seus pecados freqüentes permanecem tão atrativos quanto antes de você ter câncer? Se a resposta for afirmativa, então você está desperdiçando seu câncer. O câncer foi planejado para destruir o seu apetite pelo pecado. Orgulho, ganância, luxúria, ódio, falta de perdão, impaciência, preguiça, procrastinação - todos estes são adversários que o câncer deve atacar. Não pense apenas em lutar contra o câncer. Pense também em usá-lo. Todas estas coisas são piores que o câncer. Não desperdice o poder do câncer para esmagar estes adversários. Deixe a presença da eternidade tornar os pecados temporais tão fúteis como eles realmente são. "Pois, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua alma?" (Lucas 9:25).

10. Você desperdiçará seu câncer caso falhe em utilizá-lo como meio de testemunhar a verdade e a glória de Cristo.

Os cristãos nunca se encontram em determinado lugar por acidente. Existem razões para as quais somos levados onde estamos. Considere o que Jesus diz sobre circunstâncias inesperadas e dolorosas: "Mas antes de todas essas coisas vos hão de prender e perseguir, entregando-vos às
sinagogas e aos cárceres, e conduzindo-vos à presença de reis e governadores, por causa do meu nome. Isso vos acontecerá para que deis testemunho" (Lucas 21:12-13). Assim também é com o câncer. Essa será uma oportunidade para testemunhar. Cristo é infinitamente digno. Aqui está uma
oportunidade de ouro para mostrar que Jesus vale mais que a vida. Não a desperdice.

Lembre-se de que você não foi deixado sozinho; terá a ajuda necessária: "Meu Deus suprirá todas as vossas necessidades segundo as suas riquezas na glória em Cristo Jesus" (Filipenses 4:19).

John Piper