sábado, 28 de novembro de 2009

O Cristão e o Sexo‏


O Cristão e o Sexo‏

C. S. Lewis em Cristianismo Puro e Simples

A castidade é a menos popular das virtudes cristãs. Porém, não existe escapatória. A regra cristã é clara: “Ou o casamento, com fidelidade completa ao cônjuge, ou a abstinência total.” Isso é tão difícil de aceitar, e tão contrário a nossos instintos, que das duas, uma: ou o cristianismo está errado ou o nosso instinto sexual, tal como é hoje em dia, se encontra deturpado. E claro que, sendo cristão, penso que foi o instinto que se deturpou. (…)

Dizem que o sexo se tornou um problema grave porque não se falava sobre o assunto. Nos últimos vinte anos, não foi isso que aconteceu. Todo o dia se fala sobre o assunto, mas ele continua sendo um problema. Se o silêncio fosse a causa do problema, a conversa seria a solução. Mas não foi. Acho que é exatamente o contrário. Acredito que a raça humana só passou a tratar do tema com discrição porque ele já tinha se tornado um problema. Os modernos sempre dizem que “o sexo não é algo de que devemos nos envergonhar”. Com isso, podem estar querendo dizer duas coisas. Uma delas é que “não há nada de errado no fato de a raça humana se reproduzir de um determinado modo, nem no fato de esse modo gerar prazer”. Se é isso o que têm em mente, estão cobertos de razão. O cristianismo diz a mesma coisa. O problema não está nem na coisa em si, nem no prazer. Os velhos pregadores cristãos diziam que, se o homem não tivesse sofrido a queda, o prazer sexual não seria menor do que é hoje, mas maior. Bem sei que alguns cristãos de mente tacanha dizem por aí que o cristianismo julga o sexo, o corpo e o prazer como coisas intrinsecamente más. Mas estão errados. O cristianismo é praticamente a única entre as grandes religiões que aprova por completo o corpo — que acredita que a matéria é uma coisa boa, que o próprio Deus tomou a forma humana e que um novo tipo de corpo nos será dado no Paraíso e será parte essencial da nossa felicidade, beleza e energia. O cristianismo exaltou o casamento mais que qualquer outra religião; e quase todos os grandes poemas de amor foram compostos por cristãos. Se alguém disser que o sexo, em si, é algo mau, o cristianismo refuta essa afirmativa instantaneamente. Mas é claro que, quando as pessoas dizem “o sexo não é algo de que devemos nos envergonhar”, elas podem estar querendo dizer que “o estado em que se encontra nosso instinto sexual não é algo de que devemos sentir vergonha”.

Se é isso que querem dizer, penso que estão erradas. Penso que temos todos os motivos do mundo para sentir vergonha. Não há nada de vergonhoso em apreciar o alimento, mas deveríamos nos cobrir de vergonha se metade das pessoas fizesse do alimento o maior interesse de sua vida e passasse os dias a espiar figuras de pratos, com água na boca e estalando os lábios. Não digo que você ou eu sejamos individualmente responsáveis pela situação atual. Nossos ancestrais nos legaram organismos que, sob este aspecto, são pervertidos; e crescemos cercados de propaganda a favor da libertinagem. Existem pessoas que querem manter o nosso instinto sexual em chamas para lucrar com ele; afinal de contas, não há dúvida de que um homem obcecado é um homem com baixa resistência à publicidade. Deus conhece nossa situação; ele não nos julgará como se não tivéssemos dificuldades a superar. O que realmente importa é a sinceridade e a firma vontade de superá-las.

Para sermos curados, temos de querer ser curados. Todo aquele que pede socorro será atendido; porém, para o homem moderno, até mesmo esse desejo sincero é difícil de ter. E fácil pensar que queremos algo quando na verdade não o queremos. Um cristão famoso, de tempos antigos, disse que, quando era jovem, implorava constantemente pela castidade; anos depois, se deu conta de que, quando seus lábios pronunciavam “ó Senhor, fazei-me casto”, seu cotação acrescentava secretamente as palavras: “Mas, por favor, que não seja agora.” Isso também pode acontecer nas preces em que pedimos outras virtudes; mas há três motivos que tornam especialmente difícil desejar — quanto mais alcançar - a perfeita castidade.

Em primeiro lugar, nossa natureza pervertida, os demônios que nos tentam e a propaganda a favor da luxúria associam-se para nos fazer sentir que os desejos aos quais resistimos são tão “naturais”, “saudáveis” e razoáveis que essa resistência é quase uma perversidade e uma anomalia. Cartaz após cartaz, filme após filme, romance após romance associam a idéia da libertinagem sexual com as idéias de saúde, normalidade, juventude, franqueza e bom humor. Essa associação é uma mentira. Como toda mentira poderosa, é baseada numa verdade - a verdade reconhecida acima de que o sexo (à parte os excessos e as obsessões que cresceram ao seu redor) é em si “normal”, “saudável” etc. A mentira consiste em sugerir que qualquer ato sexual que você se sinta tentado a desempenhar a qualquer momento seja também saudável e normal. Isso é estapafúrdio sob qualquer ponto de vista concebível, mesmo sem levar em conta o cristianismo. A submissão a todos os nossos desejos obviamente leva à impotência, à doença, à inveja, à mentira, à dissimulação, a tudo, enfim, que é contrário à saúde, ao bom humor e à franqueza. Para qualquer tipo de felicidade, mesmo neste mundo, é necessário comedimento. Logo, a afirmação de que qualquer desejo é saudável e razoável só porque é forte não significa coisa alguma. Todo homem são e civilizado deve ter um conjunto de princípios pelos quais rejeita alguns desejos e admite outros. Um homem se baseia em princípios cristãos, outro se baseia em princípios de higiene, e outro, ainda, em princípios sociológicos. O verdadeiro conflito não é o do cristianismo contra a “natureza”, mas dos princípios cristãos contra outros princípios de controle da “natureza”. A “natureza” (no sentido de um desejo natural) terá de ser controlada de um jeito ou de outro, a não ser que queiramos arruinar nossa vida. E bem verdade que os princípios cristãos são mais rígidos que os outros; no entanto, acreditamos que, para obedecer-lhes, você poderá contar com uma ajuda que não terá para obedecer aos outros.

Em segundo lugar, muitas pessoas se sentem desencorajadas de tentar seriamente seguir a castidade cristã porque a consideram impossível (mesmo antes de tentar). (…) Podemos ter certeza de que a castidade perfeita — como a caridade perfeita — não será alcançada pelo mero esforço humano. Você tem de pedir a ajuda de Deus. Mesmo depois de pedir, poderá ter a impressão de que a ajuda não vem, ou vem em dose menor que a necessária. Não se preocupe. Depois de cada fracasso, levante-se e tente de novo. Muitas vezes, a primeira ajuda de Deus não é a própria virtude, mas a força para tentar de novo. Por mais importante que seja a castidade (ou a coragem, a veracidade ou qualquer outra virtude), esse processo de treinamento dos hábitos da alma é ainda mais valioso. Ele cura nossas ilusões a respeito de nós mesmos e nos ensina a confiar em Deus. Aprendemos, por um lado, que não podemos confiar em nós mesmos nem em nossos melhores momentos; e, por outro, que não devemos nos desesperar nem mesmo nos piores, pois nossos fracassos são perdoados. A única atitude fatal é se dar por satisfeito com qualquer coisa que não a perfeição.

Em terceiro lugar, as pessoas muitas vezes não entendem o que a psicologia quer dizer com “repressão”. Ela nos ensinou que o sexo “reprimido” é perigoso. Nesse caso, porém, “reprimido” é um termo técnico: não significa “suprimido” no sentido de “negado” ou “proibido”. Um desejo ou pensamento reprimido é o que foi jogado para o fundo do subconsciente (em geral na infância) e só pode surgir na mente de forma disfarçada ou irreconhecível. Ao paciente, a sexualidade reprimida não parece nem mesmo ter relação com a sexualidade. Quando um adolescente ou um adulto se empenha em resistir a um desejo consciente, não está lidando com a repressão nem corre o risco de a estar criando. Pelo contrário, os que tentam seriamente ser castos têm mais consciência de sua sexualidade e logo passam a conhecê-la melhor que qualquer outra pessoa. Acabam conhecendo seus desejos como Wellington conhecia Napoleão ou Sherlock Holmes conhecia Moriarty; como um apanhador de ratos conhece ratos ou como um encanador conhece um cano com vazamento. A virtude - mesmo o esforço para alcançá-la — traz a luz; a libertinagem traz apenas brumas.

Para encerrar, apesar de eu ter falado bastante a respeito de sexo, quero deixar tão claro quanto possível que o centro da moralidade cristã não está aí. Se alguém pensa que os cristãos consideram a falta de castidade o vício supremo, essa pessoa está redondamente enganada. Os pecados da carne são maus, mas, dos pecados, são os menos graves. Todos os prazeres mais terríveis são de natureza puramente espiritual: o prazer de provar que o próximo está errado, de tiranizar, de tratar os outros com desdém e superioridade, de estragar o prazer, de difamar. São os prazeres do poder e do ódio. Isso porque existem duas coisas dentro de mim que competem com o ser humano em que devo tentar me tornar. São elas o ser animal e o ser diabólico. O diabólico é o pior dos dois. E por isso que um moralista frio e pretensamente virtuoso que vai regularmente à igreja pode estar bem mais perto do inferno que uma prostituta. É claro, porém, que é melhor não ser nenhum dos dois.

A maldição da culpa


A maldição da culpa


A culpa não deve nos deixar inertes e abalados diante de um pecado confesso e já perdoado.


Por John Piper

Em 26 anos de pastorado, o mais perto que eu havia chegado de ser demitido da Igreja Batista Bethlehem foi em meados da década de 1980, depois de escrever um artigo intitulado Missões e masturbação para nosso boletim. Eu o escrevi ao voltar de uma conferência sobre missões presidida por George Verwer, presidente da Operação Mobilização. No evento ele disse como seu coração pesava pelo imenso número de jovens que sonhavam em obedecer completamente a Jesus, mas que acabavam se perdendo na inutilidade da prosperidade americana. A sensação constante de culpa e indignidade por causa de erros sexuais dava lugar, pouco a pouco, à falta de poder espiritual e ao beco sem saída da segurança e conforto da classe média.

Em outras palavras, o que George Verwer considerava trágico – e eu também considero – é que tantos jovens abandonem a causa da missão de Cristo porque ninguém lhes ensinou como lidar com a culpa que se segue ao pecado sexual. O problema vai além de não cair; a questão é como lidar com a queda para que ela não leve toda uma vida para o desperdício da mediocridade. A grande tragédia não são práticas como a masturbação ou a fornicação, e nem a pornografia. A tragédia é que Satanás usa a culpa decorrente desses pecados para extirpar todo sonho radical que a pessoa teve ou poderia vir a ter. Em vez disso, o diabo oferece uma vida feliz, certa e segura, com prazeres superficiais, até que a pessoa morra em sua cadeira de balanço, em um chalé à beira de um lago.

Hoje de manhã mesmo, Satanás pegou seu encontro das duas da manhã – seja na televisão ou na cama – e lhe disse: “Viu? Você é um derrotado. O melhor é nem adorar a Deus. Você jamais conseguirá fazer um compromisso sério para entregar sua vida a Jesus Cristo! É melhor arrumar um bom emprego, comprar uma televisão de tela plana bem grande e assistir o máximo de filmes pornográficos que agüentar”. Portanto, é preciso tirar essa arma da mão dele. Sim, claro que quero que você tenha a coragem maravilhosa de parar de percorrer os canais de televisão. Porém, mais cedo ou mais tarde, seja nesse pecado ou em outro, você vai cair. Quero ajudá-lo a lidar com a culpa e o fracasso, para que Satanás não os use para produzir mais uma vida desperdiçada.

Cristo realizou uma obra na história, antes de existirmos, que conquistou e garantiu nosso resgate e a transformação de todos que confiarem nele. A característica distintiva e crucial da salvação cristã é que seu autor, Jesus, a realizou por completo fora de nós, sem nossa ajuda. Quando colocamos nele a fé, nada acrescentamos à suficiência do que fez ao cobrir nossos pecados e alcançar a justiça que é considerada nossa. Os versículos bíblicos que apontam isso com mais clareza estão na epístola de Paulo aos Colossenses 2.13-14: “Quando vocês estavam mortos em pecados e na incircuncisão da sua carne, Deus os vivificou com Cristo. Ele nos perdoou todas as transgressões e cancelou o escrito de dívida, que consistia em ordenanças, e que nos era contrária. Ele a removeu, pregando-a na cruz”.

É preciso pensar bem nisso para entender plenamente a mais gloriosa de todas as verdades: Deus pegou o registro de todos os seus pecados – todos os erros de natureza sexual – que deixavam você exposto à ira. Em vez de esfregar o registro em seu rosto e usá-lo como prova para mandar você para o inferno, Deus o colocou na mão de Seu filho e pregou na Cruz. E quem são aqueles cujos pecados foram punidos na cruz? Todos que desistem de tentar salvar a si mesmos e confiam apenas em Cristo. E quem assumiu essa punição? Jesus. Essa substituição foi a chave para a nossa salvação.

Alguma vez você já parou para pensar no que significa Colossenses 2.15? Logo depois de afirmar que Deus pregou na cruz o registro de nossa dívida, Paulo escreve que o Senhor, “tendo despojado os poderes e as autoridades, fez deles um espetáculo público, triunfando sobre eles na cruz”. Ele se refere ao diabo e seus exércitos de demônios. Mas como são desarmados? Como são derrotados? Eles possuem muitas armas, mas perdem a única que pode nos condenar – a arma do pecado não perdoado. Deus pregou nossas culpas na cruz. Logo, houve punição por elas – então, seus efeitos acabaram! O problema é que muitos percebem tão pouco da beleza de Cristo na salvação que o Evangelho lhes parece apenas uma licença para pecar. Se tudo que você enxerga na cruz de Jesus é um salvo-conduto para continuar pecando, então você não possui a fé que salva. Precisa se prostrar e implorar a Deus para abrir seus olhos para ver a atraente glória de Jesus Cristo.

Culpa corajosa – A fé que salva recebe Jesus como Salvador e Senhor e faz dele o maior tesouro da vida. Essa fé lutará contra qualquer coisa que se coloque entre o indivíduo salvo e Cristo. Sua marca característica não é a perfeição, nem a ausência de pecados. Quem enxerga na cruz uma licença para continuar pecando não possui a fé que salva. A marca da fé é a luta contra o pecado. A justificação se relaciona estreitamente com a obra de Deus pregando nossos pecados na cruz. Justificação é o ato pelo qual o Senhor nos declara não apenas perdoados por causa da obra de Cristo, mas também justos mediante ela. Cristo levou nosso castigo e realiza nossa retidão. Quando o recebemos como Salvador e Senhor, todo o castigo que ele sofreu, e toda sua retidão, são computados como nossos. E essa justificação vence o pecado.

Possuímos uma arma poderosa para combater o diabo quando sabemos que o castigo por nossas transgressões foi integralmente cumprido em Cristo. Devemos nos apegar com força a essa verdade, usando-a quando o inimigo nos acusar pelas nossas faltas. O texto de Miquéias 7.8-9 apresenta o que devemos lhe dizer quando ele zombar de nossa aparente derrota: “Não te alegres a meu respeito; ainda que eu tenha caído, levantar-me-ei (...) Sofrerei a ira do Senhor, porque pequei contra ele, até que julgue a minha causa e execute o meu direito”. É uma espécie de “culpa corajosa” – o crente admite que errou e que Deus está tratando seriamente com ele. Mas, mesmo em disciplina, não se afasta da bendita verdade de que tem o Senhor ao seu lado!

Há vitória na manhã seguinte ao fracasso! Precisamos aprender a responder ao diabo ou a qualquer um que nos diga que o Senhor não poderá nos usar porque pecamos. “Ainda que eu tenha caído, levantar-me-ei”, frisou o profeta. “Embora eu esteja morando nas trevas, o Senhor será a minha luz.” Sim, podemos estar nas trevas da iniqüidade; podemos sentir culpa, porque somos, realmente, culpados pelo nosso pecado. Mas isso não é toda a verdade sobre o nosso Deus. O mesmo Deus que faz nossa escuridão é a luz que nos apóia em meio às trevas. O Senhor não nos abandonará; antes, defenderá a nossa causa.

Quando aprendermos a lidar com a culpa oriunda de nossos erros com esse tipo de ousadia em quebrantamento, fundamentados na justificação pela fé e na expiação substitutiva que Cristo promoveu por nós, seremos não apenas mais resistentes ao diabo como cometeremos menos falhas contra o Senhor. E, acima de tudo, Satanás não será capaz de destruir nosso sonho de viver uma vida em obediência radical a Jesus e de serviço à sua obra.

John Piper é doutor em Estudos do Novo Testamento, professor de Estudos Bíblicos na Faculdade Bethel, em Minnesota, onde atua como pastor presidente na Igreja Batista Bethelehm. É autor de livros como: A vida é como a neblina, O legado da alegria soberana, Teologia da alegria, O sorriso escondido de Deus, além de outros.

Agar


Agar

Serva egípcia de Sara; mais tarde, concubina de Abraão e mãe de Ismael. Quando estava no Egito, devido a uma fome na terra de Canaã, Abraão (Abrão) veio a ter servos e servas, e pode ser que Agar se tenha tornado serva de Sara nessa época. — Gên 12:10, 16.

Visto que Sara (Sarai) continuava estéril, ela solicitou a Abraão que tivesse relações sexuais com Agar, entregando-a a Abraão como esposa. Mas, ao ficar grávida, Agar começou a desprezar sua senhora a tal ponto, que Sara se queixou com seu marido. “Portanto, Abrão disse a Sarai: ‘Eis que a tua serva está à tua disposição.

“Faze com ela o que parece bem aos teus olhos. Sarai começou então a humilhá-la, de modo que fugiu dela.” (Gên 16:1-6) Na fonte a caminho de Sur, o anjo de Yehowah encontrou Agar e a instruiu que voltasse para sua senhora e se humilhasse sob a mão dela. Ademais, foi-lhe dito que Yehowah multiplicaria grandemente a descendência dela e que o filho que lhe nasceria devia ser chamado Ismael. Abraão tinha 86 anos quando Ismael nasceu. — Gên 16:7-16.

Anos depois, quando Abraão preparou “um grande banquete no dia em que Isaque foi desmamado” à idade de cerca de 5 anos, Sara notou que Ismael, filho de Agar, então com cerca de 19 anos, ‘caçoava’. Não se tratava duma inocente brincadeira infantil. Conforme o próximo versículo dá a entender, pode ter envolvido escarnecer ele de Isaque quanto ao seu direito de herdeiro. Ismael manifestava com isso logo cedo as características antagônicas que o anjo de Yehowah predissera que ele mostraria. (Gên 16:12) Pelo que parece, temendo pelo futuro de seu filho, Isaque, Sara solicitou a Abraão que expulsasse Agar e o filho desta. Isto desagradou a Abraão, mas, orientado por Yehowah, agiu conforme a solicitação de sua esposa. Logo cedo na manhã seguinte, ele despachou Agar com o filho dela, dando-lhe pão e um odre com água. — Gên 21:8-14.

Agar vagueou pelo deserto de Berseba. “Por fim se acabou a água . . . e ela lançou o menino debaixo de um dos arbustos.” Não é anacronismo mencionar Ismael como “menino”, pois a palavra hebraica yéledh, aqui traduzida “menino”, também significa “jovem”, e é assim traduzida em Gênesis 4:23. Quanto a ser ele lançado sob um dos arbustos, embora se predissesse que ele seria uma “zebra de homem”, Ismael talvez não fosse muito robusto quando adolescente. (Gên 16:12) Por isso, talvez fosse o primeiro a fraquejar, precisando do apoio de sua mãe. Isto não seria inconcebível, pois as mulheres, naqueles dias, especialmente as escravas, estavam acostumadas a carregar pesados fardos na vida cotidiana. Parece que, com o tempo, Agar também fraquejou, obrigando-a a deixar de apoiá-lo e colocando-o, talvez de modo um tanto abrupto, sob o arbusto protetor mais próximo. A própria Agar se sentou, “à distância de cerca de um tiro de flecha” (uma expressão hebraica comum que indicava a distância usual em que os arqueiros colocavam seus alvos) de seu filho. — Gên 21:14-16.

O anjo de Deus clamou então para Agar, dizendo-lhe que não tivesse medo, e que Ismael viria a constituir uma grande nação. Ademais, Deus abriu-lhe os olhos para que ela visse um poço de água, no qual encheu o odre e deu de beber a seu filho. “Deus continuou a estar com o rapaz”, e, com o tempo, ele se tornou arqueiro e “passou a morar no ermo de Parã”. Agar providenciou para ele uma esposa da terra do Egito. — Gên 21:17-21.

De acordo com o apóstolo Paulo, Agar figurava num drama simbólico em que representava a nação do Israel carnal, ligada a Yehowah pelo pacto da Lei, inaugurado no monte Sinai, pacto este que deu à luz “filhos para a escravidão”. Por causa da condição pecaminosa do povo, esta nação não pôde cumprir com os termos desse pacto. Sob este, os israelitas não se tornaram um povo livre, mas foram condenados quais pecadores dignos de morte; portanto, eram escravos. (Jo 8:34; Ro 8:1-3) A Jerusalém dos dias de Paulo correspondia a Agar, pois a capital, Jerusalém, representando a organização do Israel natural, encontrava-se em escravidão, junto com seus filhos.

No entanto, os cristãos gerados pelo Espírito de Deus são filhos da “Jerusalém de cima”, a mulher simbólica de Deus. Esta Jerusalém, igual a Sara, a mulher livre, jamais esteve em escravidão. Mas, assim como Isaque foi perseguido por Ismael, assim também os filhos da “Jerusalém de cima”, que foram libertos pelo Filho, foram perseguidos às mãos dos filhos da Jerusalém escravizada. No entanto, Agar e o filho dela foram expulsos, representando a rejeição do Israel natural, como nação, por parte de Yehowah. — Gál 4:21-31; veja também Jo 8:31-40.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A herança que iremos deixar aos nossos filhos


As vezes olhando o mundo em que vivemos, me faço a seguinte pergunta:- Que herança deixarei para meus filhos.
O mundo está mergulhado num caos total, clima alterado, pessoas se matando por nada, uma miséria constante que cresce a cada dia numa velocidade incrível, doenças que surgem do nada, matam milhões e depois some na mesma velocidade em que apareceu. O egoísmo , falta de afeto, principalmente amor, são coisas utópicas ou lendas, que os "antigos" contavam.
Não sei o que deixarei para minha filha, mas se ela colher aquilo que estou plantando, com certeza ficarei feliz. Pois estou tentando plantar amor, harmonia, paz, fidelidade.
Nesses dias fiquei triste com a noticia que estava nas manchetes dos principais noticiários, onde um homem revoltado com a separação da companheira, pegou o filho de apenas 4 anos , subiu no alto de um prédio e se jogou do alto com a criança abraça junto ao peito. Eu chorei. As vezes me pergunta por que a humanidade tem deixado o ódio , a maldade imperar sobre a sua vida a ponto de matar alguém inocente.
Creio se em João 11:33 "Jesus chorou", se estive nos dias conteporâneos teria não chorado, mas desmaiado a tantas atrocidades que o próximo tem cometido contra seu semelhante.

Veio a memória aquela música do Catedral "Quando o verão chegar", pois aquela letra reflete o que sinto e o que quero para minha filha. Até a próxima, se houver próxima, se Jesus não voltar primeiro, estaremos aqui novamente.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Apócrifos: Analisando as Evidências‏


Apócrifos: Analisando as Evidências‏

por

Dr. Norman Geisler

O termo apócrifo geralmente se refere a livros polêmicos do Antigo Testamento que os protestantes rejeitam e os católicos romanos e as igrejas ortodoxas aceitam. A palavra apócrifo significa “escondido” ou “duvidoso”. Os que aceitam esses documentos preferem chamá-los “deuterocanônicos”, isto é: livros do “segundo cânon”.


A Posição Católica Romana



Católicos e protestantes concordam quanto à inspiração 27 livros do NT. Diferem em 11 obras de literatura do AT (7 livros e 4 partes de livros). Essas obras polêmicas causaram discórdias na Reforma e, em reação à sua rejeição pelos protestantes, foram "infalivelmente" declaradas parte do cânon inspirado das Escrituras em 1546 pelo Concílio de Trento.



O Concílio afirmou:



“O Sínodo [...] recebe e venera [...] todos os livros [incluindo os apócrifos] tanto do Antigo quanto do Novo Testamento - visto que um só Deus é o Autor de ambos [...] que foram ditados, ou pela própria palavra de Jesus ou pelo Espírito Santo [...] se alguém não aceitar com sagrados e canônicos os livros mencionados integralmente com todas as suas partes, como costumavam ser lidos na Igreja Católica [...] será anátema” (Schaff 2.81).



Outro documento de Trento diz:



“Mas se alguém não aceitar o que está nos livros como sagrados e canônicos, inteiros com todas as partes da Bíblia [...] e se consciente e deliberadamente condenar a tradição mencionada anteriormente, que seja anátema” (Denzinger, Sources, nº 784).



A mesma linguagem afirmando os apócrifos é repetida pelo Concílio Vaticano II. Os apócrifos que Roma aceita incluem 11 ou 12 livros, dependendo de Baruque 1 até 6 ser dividido em duas partes. Baruque 1 até 5 e a carta de Jeremias (Baruque 6). O deuterocânon apócrifos pelos protestantes exceto a Oração de Manassés e 1 e 2 Esdras (chamados 3 e 4 Esdras pelos católicos romanos; Esdras e Neemias eram chamados 1 e 2 Esdras pelos católicos).



Apesar do católico romano ter 11 obras de literatura a mais que a versão protestante, apenas 7 livros a mais, ou um total de 46, aparecem no índice (o AT judeu e o protestante têm 39). Como se vê na tabela seguinte, outras 4 peças de literatura estão incorporadas a Ester e Daniel.



Livros apócrifos
Livros deuterocanônicos

Sabedoria de Salomão
Livro da Sabedoria (c.30 a. C)

Eclesiástico (Siraque)
Siraque (132 a. C)

Tobias (c. 200 a. C)
Tobias

Judite (c. 200 a. C)
Judite

1 Esdras (c. 150-100 a. C)
3 Esdras

1 Macabeus (c. 110 a. C)
1 Macabeus

2 Macabeus (c. 110-70 a. C)
2 Macabeus

Baruque (c. 150-50 a. C)
Baruque capítulos 1-5

Carta de Jeremias
Baruque 6 (c. 300-100 a. C)

2 Esdras (c. 100 d. C)
4 Esdras

Adição a Ester
Ester 10.4-16.24

Oração de Azarias (c. 200-1 a.C)
Daniel 3.24-90: “A canção dos três rapazes”

Susana (c. 200-1 a. C)
Daniel 13

Bel e o dragão
Daniel 14 (c. 100 a. C)

Oração (ou segunda Oração) de Manassés (c. 100 a. C)
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Argumentos Católicos em favor dos Apócrifos


O cânon maior às vezes é denominado “cânon alexandrino”, em contraposição ao “cânon palestinense”, que não contém os apócrifos, porque supostamente eram parte da tradução grega do AT (a Septuaginta, ou LXX) preparada em Alexandria, Egito. As razões geralmente dadas à essa lista são.



1. O NT reflete o pensamento dos apócrifos, e até faz referência a eventos neles descritos (Hb 11.35 com 2 Mac 7.12).



2. O NT cita mais o AT grego com base na LXX, que continha os apócrifos. Isso dá aprovação tácita ao texto inteiro.



3. Alguns pais da igreja primitiva citaram e usaram os apócrifos como Escritura na adoração pública.



4. Esses pais da igreja, como Irineu, Tertuliano e Clemente de Alexandria aceitavam todos os apócrifos como canônicos.



5. Cenários de catacumbas cristãs primitivas retratam episódios dos apócrifos, mostrando-os como parte da vida religiosa cristã primitiva, o que, no mínimo, revela grande apreço pelos apócrifos.



6. Manuscritos primitivos importantes (Álef, A e B ) intercalam os apócrifos entre os livros do AT como parte do AT greco-judaico.



7. Concílios da igreja primitiva aceitaram os apócrifos: Roma (382), Hipona (393) e Cartago (397).

8. A Igreja Ortodoxa aceita os apócrifos. Sua aceitação demonstra que se trata de uma crença cristã comum, não restrita aos católicos romanos.



9. A Igreja Católica Romana considerou os apócrifos como canônicos no Concílio de Trento (1546), de acordo com os concílios anteriores já mencionados e com o Concílio de Florença, pouco antes da Reforma (1442).



10. Os livros apócrifos continuaram sendo incluídos em versões bíblicas protestantes até o século XIX. Isso indica que mesmo os protestantes aceitavam os apócrifos até recentemente.



11. Livros apócrifos com texto em hebraico foram encontrados entre os canônicos do AT na comunidade do mar Morto em Qumran, logo faziam parte do cânon hebraico.



Resposta aos Argumentos Católicos


(1) O NT e os apócrifos. Pode haver no NT alusões aos apócrifos, mas não há nenhuma citação definitiva de qualquer livro apócrifo aceito pela Igreja Católica Romana. Há alusões aos livros pseudepigráficos (falsas escrituras) que são rejeitadas por católicos romanos e protestantes, tais como Ascensão de Moisés (Jd 9) e o Livro de Enoque (Jd 14,15). Também há citações de poetas e filósofos pagãos (At 17.28; 1 Co 15.33; Tt 1.12). Nenhuma dessas fontes é citada como Escritura, nem possui autoridade. O Novo Testamento simplesmente faz referência a verdades contidas nesses livros que, por outro lado, podem conter (e realmente contêm) erros. Teólogos católicos romanos concordam com essa avaliação. O NT jamais se refere a qualquer documento fora do cânon como autorizado.




(2) A LXX e os apócrifos. O fato de o NT citar várias vezes outros livros do AT grego não prova de forma alguma que os livros deuterocanônicos que ele contém sejam inspirados. Não é sequer um fato comprovado que a LXX do século I contivesse os apócrifos. Os primeiros manuscritos gregos que os incluem datam do século IV d.C.



Mesmo que esses escritos estivessem na LXX nos tempos apostólicos, Jesus e os apóstolos jamais os citaram, apesar de supostamente estarem incluídos na mesma versão do AT geralmente citada. Até as notas da New American Bible [Nova Bíblia Americana, NAB] admitem de forma reveladora que os apócrifos são "livros religiosos usados por judeus e cristãos que não foram incluídos na coleção de escritos inspirados". Pelo contrário, “...foram introduzidos bem mais tarde na coleção da Bíblia. Os católicos os chamam livros 'deuterocanônicos'” (NAB, p. 413).




(3) Usados pelos pais da igreja. Citações dos pais da igreja para apoiar a canonicidade dos apócrifos são seletivas e enganadoras. Alguns pais pareciam aceitar sua inspiração; outros os usavam para propósitos devocionais e homiléticos (pregação), mas não os aceitavam como canônicos. Um especialista nos apócrifos, Roger Beckwith, observa:



“Quando examinamos as passagens nos primeiros pais que supostamente deveriam estabelecer a canonicidade dos apócrifos, descobrimos que algumas delas são tiradas do grego alternativo de Esdras (1 Esdras) ou de adições ou apêndices de Daniel, Jeremias ou algum outro livro canônico, e que [...] não são muito relevantes; descobrimos ainda que, dentre as que são, muitas não dão qualquer indício de que o livro seja considerado Escritura” (The Old Testament, cânon 387)




Epístola de Barnabé 6.7 e Tertuliano, Contra Marcião 3.22.5, não citam Sabedoria 2.12, e sim Isaías 3.10, e Tertuliano, De anima [Da alma] 15, não cita Sabedoria 1.6, e sim Salmos 139.23, como a comparação entre as passagens demonstra. Da mesma forma, Justino Mártir, Diálogo com Trifão 129, claramente não cita Sabedoria , e sim Provérbios 8.21-25. Chamar Provérbios de "Sabedoria" está de acordo com a nomenclatura comum dos pais [ibid., p. 427].



Geralmente, nas referências, os pais não estavam afirmando a autoridade divina de nenhum dos onze [livros] canonizados "infalivelmente" por Trento. Citavam, apenas, uma obra bem conhecida da literatura hebraica ou um escrito devocional ao qual não davam nenhuma probalidade de inspiração do Espírito Santo.




(4) Os pais e os apócrifos. Alguns indivíduos da igreja primitiva valorizavam muito os apócrifos; outros se opunham com veemência a eles. O comentário de J.D.N.Kelly de que "para a grande maioria [dos pais] [...] as escrituras deuterocanônicas se classificavam como Escritura no sentido completo" está fora de sintonia com os fatos. Atanásio, Cirilo de Jerusalém, Orígenes e o grande teólogo católico romano e tradutor da Vulgata , Jerônimo, todos se opunham à inclusão dos apócrifos. No século II d.C, a versão síriaca (Peshita) não continha os apócrifos (Introdução bíblica, cap. 7 a 9).




(5) Temas apócrifos na arte das catacumbas. Muitos teólogos católicos também admitem que as cenas das catacumbas não provam a canonicidade dos livros cujos eventos retratam. Tais cenas indicam o significado religioso que os eventos retratados tinham para os cristãos primitivos. No máximo, demonstram respeito pelos livros que continham esses eventos, não o reconhecimento de que fossem inspirados.




(6) Livros nos manuscritos gregos. Nenhum dos grandes manuscritos gregos (Álef, A e B ) contém todos os livros apócrifos. Tobias, Judite, Sabedoria e Siraque (i.e, Eclesiástico ) são encontrados em todos eles, e os manuscritos mais antigos (B e Vaticano) excluem totalmente Macabeus. Mas os católicos apelam a esse manuscrito para apoiar sua posição. Além disso, nenhum manuscrito grego contém a mesma lista de apócrifos aceita por Trento (1545-63; Becwith, p. 194,382-3).




(7) Aceitação pelos primeiros concílios. Esses foram concílios locais e não eram impostos à igreja toda. Concílios locais geralmente erravam nas suas decisões e mais tarde eram anulados pela igreja universal. Alguns apologistas católicos argumentam que, mesmo que um concílio que não seja ecumênico, seus resultados podem ser impostos se forem confirmados. Mas reconhecem que não há maneira de saber quais afirmações dos papas são infalíveis. Na verdade, admitem que outras afirmações dos papas são até heréticas, tais como a heresia monelita do papa Honório I (m.638).



Também é importante lembrar que esses livros não são parte das Escrituras cristãs (período do NT). Encontram-se, assim, sob a jurisdição da comunidade judaica que os compusera e que, séculos antes, os rejeitara como parte do cânon.



Os livros aceitos por esses concílios cristãos podem até não ser os mesmos em cada caso. Portanto, não podem ser usados como prova do cânon exato mais tarde proclamado "infalível" pela Igreja Católica em 1546. Os Concílios locais de Hipona e Cartago no Norte da África foram influenciados por Agostinho, a voz mais importante da antigüidade, que aceitava os livros apócrifos canonizados mais tarde pelo Concílio de Trento. Mas a posição de Agostinho é infundada: 1) O próprio Agostinho reconheceu que os judeus não aceitaram esses livros como parte do cânon ( A cidade de Deus , 19.36-38). 2) Sobre os livros dos Macabeus, Agostinho disse: "...tidos por canônicos pela igreja e por apócrifos por judeus. A igreja assim pensa por causa dos terríveis e admiráveis sofrimentos desses mártires..."(Agostinho, 18.36). Nesse caso, O livro dos mártires , de Foxe, deveria estar no cânon. 3) Agostinho era incoerente, já que rejeitou livros que não foram escritos por profetas, mas aceitou um livro que parece negar ser profético (1 Macabeus 9.27). 4) A aceitação errada dos apócrifos por Agostinho parece estar ligada a sua crença na inspiração da LXX, cujos manuscritos gregos mais recentes os continham. Mais tarde Agostinho reconheceu a superioridade do texto hebraico de Jerônimo comparado ao texto grego da LXX. Isso deveria tê-lo levado a aceitar a superioridade do cânon hebraico de Jerônimo também. Jerônimo rejeitava completamente os apócrifos.



O Concílio de Roma (392) que aceitou os livros apócrifos não incluiu os mesmos livros aceitos por Hipona e Cartago. Ele não inclui Baruque, apenas seis, não sete, dos livros apócrifos declarados canônicos mais tarde. Até Trento o descreve como livro separado (Denzinger, nº 84).




(8) Aceitação pela Igreja Ortodoxa. A igreja grega nem sempre aceitou os apócrifos e sua posição atual não é inequívoca. Nos Sínodos de Constantinopla (1638), Jafa (1642) e Jerusalém (1672) esses livros foram declarados canônicos. Mesmo até 1839, no entanto, seu Catecismo maior omitia expressamente os apócrifos porque não existiam na Bíblia hebraica.




(9) Aceitação nos Concílios de Florença e Trento. No Concílio de Trento (1546) a proclamação infalível foi feita aceitando os apócrifos como parte da Palavra inspirada de Deus. Alguns teólogos católicos afirmam que o Concílio de Florença, anterior a Trento (1442) fez a mesma declaração. Mas esse concílio não afirmou nenhuma infalibilidade, e a decisão do concílio também não tem nenhuma base real na história judaixa, no NT ou na história da igreja primitiva. Infelizmente, a decisão de Trento veio num milênio e meio depois de os livros serem escritos e foi uma polêmica óbvia contra o protestantismo. O Concílio de Florença proclamou que os apócrifos eram inspirados para apoiar a doutrina do purgatório que havia surgido. Mas as manifestações dessa crença na venda de indulgências chegaram ao ponto máximo na época de Martinho Lutero, e a proclamação de Trento sobre os apócrifos era uma contradição clara ao ensino de Lutero. A adição infalível oficial dos livros que apóiam orações pelos mortos é muito suspeita, chegando apenas alguns anos depois de Lutero protestar contra essa doutrina. Ela tem toda a aparência de uma tentativa de dar apoio "infalível" para doutrinas que não têm verdadeira base bíblica.




(10) Livros apócrifos nas versões protestantes. Os livros apócrifos apareceram em versões bíblicas protestantes antes do Concílio de Trento e geralmente eram colocados numa seção separada porque não eram considerados de igual autoridade. Apesar de anglicanos e alguns outros grupos não-católicos terem sempre dado muita importância ao valor inspirativo e histórico dos apócrifos, nunca os consideraram de origem divina e autoridade igual a das Escrituras. Até teólogos católicos durante o período da Reforma distinguiam entre o deuterocânon e o cânon. O cardeal Ximenes fez essa distinção na sua imponente Bíblia, a Poliglota complutense (1514-1517) às vésperas da Reforma. O cardeal Cajetano, que depois se opôs a Lutero em Ausburgo, em 1518, publicou, depois da Reforma ter começado, o Comentário sobre todos os livros históricos autênticos do Antigo Testamento (1532), que não continha os apócrifos. Lutero falou contra os apócrifos em 1543, incluindo tais livros no fim da sua Bíblia (Metzger, p.181ss.).




(11) Livros apócrifos em Qumran. A descoberta dos rolos do mar Morto em Qumran não incluía apenas a Bíblia da comunidade (o AT) mas também sua biblioteca, com fragmentos de centenas de livros. Entre eles se achavam alguns livros apócrifos e apenas livros canônicos serem encontrados em pergaminhos e escritos especiais indica que os apócrifos não eram considerados canônicos pela comunidade de Qumeran. Menahem Mansur alista os seguintes fragmentos dos apócrifos e dos livros pseudepígrafos : Tobias , em hebraico e aramaico; Enoque , em aramaico; Jubileus , em hebraico; Testamento de Levi e Naftali , em aramaico; literatura apócrifa de Daniel , em hebraico e aramaico; e Salmos de Josué (Mansur, p.203). O especialista em manuscritos do mar Morto, Millar Burroughs, concluiu: "Não há motivo para acreditar que algumas dessas obras fosse venerada como Escritura Sagrada" (More light on the Dead Sea Scrolls p. 178).



No máximo, tudo o que os argumentos usados em favor da canonicidade dos livros apócrifos provam é que vários livros receberam níveis variados de aceitação por pessoas diferentes na igreja cristã, geralmente não atingindo a confirmação de sua canonicidade. Só depois de Agostinho e dos concílios locais que ele dominou declararem-nos inspirados é que começaram a ser usados e, por fim, receberam aceitação "infalível" da Igreja Católica Romana em Trento. Isso ainda não atinge o tipo de reconhecimento inicial, contínuo e total entre as igrejas cristãs dos livros canônicos do AT protestante e da Torá judaica (que exclui os apócrifos). Os verdadeiros livros canônicos foram recebidos imediatamente pelo povo de Deus no cânon crescente das Escrituras (Introdução bíblica, cap. 8). Qualquer debate subseqüente foi travado pelos que não estiveram numa posição, assim como sua audiência imediata, de saber se eram de um apóstolo ou profeta autorizado. Eles já estavam no cânon; algumas pessoas em gerações posteriores questionaram se deviam estar ali. Eventualmente, todos os antilegomena (livros questionados mais tarde por algumas pessoas) foram retidos no cânon. Isso não aconteceu com os apócrifos, pois os protestantes rejeitaram todos eles e até os católicos rejeitaram 3 Esdras , 4 Esdras e A oração de Manassés .


Argumentos a favor do cânon protestante



A evidência indica que o cânon protestante, que consiste em 39 livros da Bíblia hebraica e exclui os apócrifos, é o verdadeiro cânon. A única diferença entre o cânon protestante e o palestino está na sua ordem. A Bíblia tem 24 livros. Combinados em uma só estão 1 e 2 Samuel, bem como 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Esdras e Neemias (o que reduz o número em quatro). Os 12 profetas menores são contados como um único livro (reduzindo o número em 11). Os judeus palestinos representavam a ortodoxia judaica. Portanto, seu cânon era reconhecido por ortodoxo. Foi o cânon de Jesus ( Introdução bíblica , cap. 4), Josefo e Jerônimo. Foi o cânon de muitos pais da igreja primitiva, entre eles Orígenes, Cirilo de Jerusalém e Atanásio.

Os argumentos que apóiam o cânon protestante podem ser divididos em dois grupos: históricos e doutrinários.


1. Argumentos históricos.




a) Teste da canonicidade. Ao contrário do argumento católico com base no uso cristão, o verdadeiro teste da canonicidade é a característica profética. Deus determinou quais livros estariam na Bíblia ao dar sua mensagem a um profeta. Então apenas livros escritos por um profeta ou porta-voz credenciado por Deus são inspirados ou pertencem ao cânon das Escrituras.



É claro que, apesar de Deus ter determinado a canonicidade desta maneira, o povo de Deus teve de descobrir quais desses livros eram proféticos. O povo de Deus a quem o profeta escreveu sabia que os profetas satisfaziam os testes bíblicos para serem representantes de Deus, e eles autenticaram ao aceitar os livros como vindos de Deus. Os livros de Moisés foram aceitos imediatamente e guardados num lugar sagrado (Dt 31.26). O livro de Josué foi aceito imediatamente e preservado com a Lei de Moisés (v. Js 24.26). Samuel foi acrescentado à coleção (v. 1 Sm 10.25). Daniel já tinha uma cópia do seu contemporâneo Jeremias (Dn 9.2) e da Lei (Dn 9.11,13). Apesar da mensagem de Jeremias ter sido rejeitada por grande parte da sua geração, o remanescente deve ter aceitado e espalhado rapidamente sua obra. Paulo encorajou as igrejas a fazer circular suas epístolas inspiradas (v. Cl 4.16). Pedro possuía uma coleção das obras de Paulo, igualando-as ao Antigo Testamento como "Escritura" (2 Pd 3.15,16).



Havia várias maneiras de contemporâneos confirmarem se alguém era profeta de Deus. Alguns foram confirmados de forma sobrenatural (v. Êx 3.4; At 2.22; 2 Co 12.12; Hb 2.3,4). Às vezes isso acontecia por meio da confirmação imediata da autoridade sobre a natureza ou da precisão da profecia preditiva. Na verdade, falsos profetas eram eliminados se suas previsões não se realizassem (Dt 18.20-22). Supostas revelações que contradiziam verdades reveladas anteriormente também eram rejeitadas (cf. Dt 13.1-3).Evidências de que os contemporâneos de cada profeta autenticaram e acrescentaram seus livros ao cânon crescente vêm das citações de obras posteriores. As obras de Moisés são citadas em todo o AT, começando com seu sucessor imediato Josué (Js 1.7; 1 Rs 2.3; 2 Rs 14.6; 2 Cr 17.9; Ed 6.18; Ne 13.3; Jr 8.8; Ml 4.4). Profetas posteriores citam os anteriores (e.g., Jr 26.18; Ez 14.14,20; Dn 9.2; Jn 2.2-9; Mq 4.1-3). No NT, Paulo cita Lucas (1 Tm 5.18); Pedro reconhece as epístolas de Paulo (2 Pd 3.15,16), e Judas (4-12) cita 2 Pedro. O Apocalipse está cheio de imagens e idéias de Escrituras anteriores, especialmente Daniel (v., e.g., Ap 13).



Todo o AT judaico/protestante foi considerado profético. Moisés, que escreveu os cinco primeiros livros, foi um profeta (Dt 18.15). O restante dos livros do AT foi conhecido durante séculos pela designação de "Profetas"(Mt 5.17; Lc 24.27). Posteriormente esses livros foram divididos em "Profetas" e "Escritos". Alguns acreditam que essa divisão foi baseada no fato do autor ser um profeta por ofício ou por dom. Outros acreditam que a separação foi estabelecida para uso tópico em festivais judaicos, ou que os livros foram colocados em seqüência cronológica, por ordem de tamanho decrescente ( Introdução bíblica , cap. 7). Seja qual for a razão, é evidente que a maneira original (cf. 7.12) e contínua de referir-se ao AT como um todo até a época de Cristo era a divisão dupla: "a Lei e os Profetas". Os "apóstolos e profetas"(Ef 3.5) compunham o NT. Então, toda a Bíblia é um livro profético, incluindo o último livro (e.g., Ap 20); isso não se aplica aos apócrifos.


b) Profecia não-autenticada. Há forte evidência de que os livros apócrifos não são proféticos, e já que a profecia é o teste da canonicidade, só esse fato os elimina do cânon. Nenhum livro apócrifo afirma ser escrito por um profeta. Na verdade, o livro de Macabeus afirma não ser profético (1 Macabeus 9.27). E não há confirmação sobrenatural de qualquer um dos escritores dos livros apócrifos, como há para os profetas que escreveram livros canônicos. Não há profecia que preveja o futuro nos apócrifos, como há em alguns livros canônicos (e.g., Is 53; Dn 9; Mq 5.2). Não há nova verdade messiânica nos apócrifos. Até a comunidade judaica, a quem os livros pertenciam, reconheceu que os dons proféticos haviam cessado em Israel antes de os apócrifos serem escritos (v. citações anteriores). Os livros apócrifos jamais foram alistados na Bíblia judaica com os profetas ou qualquer outra seção. Os livros apócrifos não são citados nenhuma vez com autoridade por nenhum livro profético escrito depois deles. Levando em conta tudo isso, temos evidências mais que suficientes de que os apócrifos não eram proféticos e, portanto, não deveriam ser parte do cânon das Escrituras.


c) Rejeição judaica. Além das evidências da característica profética apontarem apenas para os livros do AT judaico e protestante, há uma rejeição contínua dos apócrifos como cânon por mestres judeus e cristãos.

Filo, um mestre judeu alexandrino (20 a.C.- 40 d.C.), citava o AT prolificamente, utilizando quase todos os livros canônicos, mas nunca citou os apócrifos como inspirados.



Josefo (30-100 d.C.), um historiador judeu, exclui explicitamente os apócrifos, numerando os livros do AT em 22 (= 39 livros no Antigo Testamento protestante). Ele também nunca citou um livro apócrifo como Escritura, apesar de conhecê-los bem. Em Contra Ápion (1.8), ele escreveu:



"Pois não temos uma multidão incontável de livros entre nós, discordando dos outros e contradizendo uns aos outros [como os gregos têm], mas apenas 22 livros, cinco pertencem a Moisés, contêm sua lei e as tradições da origem da humanidade até a morte dele. Esse intervalo de tempo foi pouco menor que três mil anos; mas quanto ao tempo da morte de Moisés até o reinado de Artaxerxes, rei da Pérsia, que reinou em Xerxes, os profetas , que vieram depois de Moisés, escreveram o que foi feito nas respectivas épocas em treze livros . Os outros quatro livros contêm hinos a Deus e preceitos para a conduta humana" (Josefo, 1.8, grifo do autor).



Esses correspondem exatamente ao AT judaico e protestante, que exclui os apócrifos.



Os mestres judeus reconheceram que sua linhagem profética terminou no séc.VI a.C. Mas, como até os católicos [romanos] reconhecem, todos os livros apócrifos foram escritos depois dessa época. Josefo escreveu: "De Artaxerxes até nossa época tudo foi registrado, mas não foi considerado digno do mesmo reconhecimento do que o que o precedeu, porque a sucessão exata dos profetas cessou" (Josefo). Outras afirmações rabínicas sobre o término da profecia apóiam esse argumento (v. Becwith, p. 370). O Seder olam rabbah 30 declara: "Até então [a vinda de Alexandre, o Grande] os profetas profetizavam por meio do Espírito Santo. Daí em diante: 'Incline seu ouvido e ouça as palavras dos sábios'". Baba batra 12 b declara: "Desde a época em que o templo foi destruído, a profecia foi tirada dos profetas e dada aos sábios". O rabino Samuel bar Inia disse: "O segundo Templo não tinha cinco coisas que o primeiro Templo possuía: a saber, o fogo, a arca, o Urim e o Tumim, o óleo da unção e o Espírito Santo [da profecia]". Então, os mestres judeus (rabinos) reconheceram que o período de tempo durante o qual os apócrifos foram escritos não foi um período em que Deus estava transmitindo escrituras inspiradas.



Jesus e os autores do Novo Testamento nunca citaram os apócrifos como Escritura, apesar de estarem cientes dessas obras e fazerem alusão a elas ocasionalmente (e.g., Hb 11.35 pode fazer alusão a 2 Macabeus 7,12, ou pode fazer uma referência a 1 Rs 17.22). Mas centenas de citações no NT mencionam o cânon do Antigo Testamento. A autoridade com que foram citadas indica que os autores do NT as consideravam parte da "Lei e dos Profetas"[i.e, o AT inteiro], que era considerada Palavra de Deus inspirada e infalível (Mt 5.17,18; cf. Jo 10.35). Jesus citou partes de todas as divisões da "Lei" e do "Profetas" do AT, que ele denominava de "todas as Escrituras"(Lc 24.27).



Os eruditos judeus em Jâmia (c. 90 d.C.) não aceitaram os apócrifos como parte do cânon judaico divinamente inspirado (v. Beckwith, p. 276-7). Já que o NT afirma explicitamente que a Israel foram confiadas as "palavras de Deus" e que a nação fora destinatária das alianças e da Lei (Rm 3.2), os judeus foram considerados guardiões dos limites do próprio cânon. Como tal, sempre rejeitavam os apócrifos.




d) A rejeição dos concílios da igreja primitiva. Nenhuma lista canônica ou concílio da igreja cristã considerou os apócrifos inspirados durante os quase quatro primeiros séculos. Isso é importante, já que todas as listas disponíveis e a maioria dos mestres desse período omitem os apócrifos. Os primeiros concílios a aceitar os apócrifos eram apenas locais, sem força ecumênica. A alegação católica de que o Concílio de Roma (392), apesar de não ser um concílio ecumênico, tinha força ecumênica porque o papa Dâmaso (304-394) o ratificou é sem fundamento. É uma alegação forçada, que supõe que Dâmaso era um papa com autoridade infalível. E até mesmo os católicos reconhecem que esse concílio não era um grupo ecumênico. Nem todos os teólogos católicos concordam que tais afirmações dos papas são infalíveis. Não há listas infalíveis de afirmações infalíveis dos Papas. Nem há um critério universalmente aprovado para desenvolver tais listas. No máximo, apelar ao papa para tornar infalível a afirmação de um concílio local é uma faca de dois gumes. Mesmo teólogos católicos admitem que alguns papas ensinaram erros e foram até heréticos.




e) Rejeição por parte dos primeiros pais da igreja. Alguns dos primeiros pais da igreja declararam-se contrários aos [livros] apócrifos. Entre esses figuravam Orígenes, Cirilo de Jerusalém, Atanásio e o grande tradutor católico das Escrituras, Jerônimo.




f) Rejeição por Jerônimo. Jerônimo (340-420), o grande teólogo bíblico do período medieval e tradutor da Vulgata latina, rejeitou explicitamente os apócrifos como parte do cânon. Ele disse que a igreja os lê "para exemplo e instrução de costumes", mas não "os aplica para estabelecer nenhuma doutrina"(Prefácio do Livro de Salomão da Vulgata , citado em Beckwith, p. 343). Na verdade, ele criticou a aceitação injustificada desses livros por Agostinho. A princípio, Jerônimo até recusou-se a traduzir os apócrifos para o latim, mas depois fez uma tradução rápida de alguns livros. Depois de descrever os livros exatos do AT judaico [e protestante], Jerônimo conclui:



"E então no total há 22 livros da Lei antiga [conforme as letras do alfabeto judaico], isto é, 5 de Moisés, 8 dos Profetas e 9 hagiógrafos. Apesar de alguns incluírem [...] Rute e Lamentações no hagiógrafo, e acharem que esses livros devem ser contados (separadamente) e que há então 24 livros da antiga Lei, aos quais Apocalipse de João representa por meio do número de 24 anciâos [...] Esse prólogo pode servir perfeitamente como elmo (i.e., equipado com elmo, contra atacantes) de introdução a todos os livros bíblicos que traduzimos do hebraico para o latim, para que saibamos que os que não estão incluídos nesses devem ser incluídos nos apócrifos " (ibid., grifo do autor)



No prefácio de Daniel, Jerônimo rejeitou claramente as adições apócrifas a Daniel ( Bel e o Dragão e Susana ) e defendeu apenas a canonicidade dos livros encontrados na Bíblia hebraica, escrevendo:



“As histórias de Susana e de Bel e o Dragão não estão contidas no hebraico [...] Por isso, quando traduzia Daniel muitos anos atrás, anotei essas visões com um símbolo crítico, demonstrando que não estavam incluídas no hebraico [...] Afinal, Orígenes, Eusébio e Apolinário e outros clérigos e mestres distintos da Grécia reconhecem que, como eu disse, essas visões não se encontram no hebraico, e portanto não são obrigados a refutar Porfírio quanto a essas porções que não exibem autoridade de Escrituras Sagradas” (ibid., grifo do autor).



A sugestão de que Jerônimo realmente favorecia os apócrifos, mas só estava argumentando o que os judeus os rejeitavam, é infundada. Ele disse claramente na citação acima que: " não exibem autoridade de Escrituras Sagradas ", e jamais retirou sua rejeição dos apócrifos. Ele afirmou na obra Contra Rufino , 33, que havia " seguido o julgamento das igrejas " nesse assunto. E sua afirmação: " Não estava seguindo minhas convicções " parece referir-se às " afirmações que eles [os inimigos do Cristianismo] estão acostumados a fazer contra nós ". De qualquer forma, ele não retirou em lugar algum suas afirmações contra os apócrifos. Finalmente, o fato de que Jerônimo tenha citado os livros apócrifos não é prova de que os aceitava. Ele afirmou que a igreja os lê "para exemplo e instrução de costumes" mas não " os aplica para estabelecer qualquer doutrina ".




g) A Rejeição dos teólogos. Até teólogos católicos romanos notáveis durante o período da Reforma rejeitaram os apócrifos, tal como o cardeal Cajetano, que se opôs a Lutero. Como já foi citado, ele escreveu o livro "Comentário sobre todos os livros históricos autênticos do Antigo Testamento" (1532), que excluía os apócrifos. Luteranos e anglicanos usam-nos apenas para assuntos éticos e devocionais, mas não os consideram oficiais em questões de fé. Igrejas Reformadas seguiram A Confissão de Fé de Westminster (1647), que afirma:



“Os livros geralmente chamados Apócrifos, não sendo de inspiração divina, não fazem parte do Cânon da Escritura; não são, portanto, de autoridade na Igreja de Deus, nem de modo algum podem ser aprovados ou empregados senão como escritos humanos” (Da Sagrada Escritura, 1.III)



Em resumo, a igreja cristã (incluindo anglicanos, luteranos e reformados) rejeitou os livros deuterocanônicos como parte do cãnon. Eles fazem isto porque lhes falta o fator determinante primário da canonicidade: os livros apócrifos não têm evidência de que foram escritos por profetas credenciados por Deus. Outra evidência é encontrada no fato de que os livros apócrifos jamais foram citados como autoridade nas Escrituras do NT, nem foram parte do cânon judaico, e a igreja primitiva nunca os aceitou como inspirados.




h) O erro de Trento. O pronunciamento infalível de que os livros apócrifos são parte da Palavra inspirada de Deus revela quão falível uma afirmação supostamente infalível pode ser. Esse artigo demonstrou que a afirmação é historicamente infundada. Foi um exagero polêmico e uma decisão arbitrária envolvendo uma exclusão dogmática.



O pronunciamento [do Concílio] de Trento sobre os apócrifos foi parte de uma ação polêmica contra Lutero. Seus defensores consideravam que a aceitação dos apócrifos como inspirados era necessária para justificar ensinamentos que Lutero havia atacado, principalmente as orações pelos mortos. O texto de 2 Macabeus 12.46 diz: "... mandou fazer o sacrifício expiatório pelos falecidos, a fim de que fossem absolvidos do seu pecado"(CNBB). Já que havia uma obrigação de aceitar certos livros, as decisões foram um tanto arbitrárias. Trento aceitou 2 Macabeus, que apontava as orações pelos mortos e rejeitou 2 Esdras (4 Esdras pela avaliação católica), que tinha uma afirmação que não apoiava a prática (cf. 7.105).



A própria história dessa seção de 2 (4) Esdras revela a arbitrariedade da decisão de Trento. Ele foi escrito em aramaico por um judeu desconhecido (c. 100 d.C.) e circulou nas antigas versões latinas (c. 200). A Vulgata o incluiu como apêndice do NT (c.400). Desapareceu da Bíblia até que protestantes, começando por Johann Haug (1726-1752), começaram a imprimi-lo nos apócrifos com base nos textos aramaicos, já que não constava nos manuscritos em latim da época. Mas, em 1874 uma longa seção em latim (70 versículos do capítulo 7) foi encontrada por Robert Bently numa biblioteca em Amiens, França. Bruce Metzger comentou:



“É provável que a seção perdida tenha sido deliberadamente arrancada por um ancestral da maioria dos manuscritos latinos sobreviventes, por razões dogmáticas, pois a passagem contém uma negação enfática do valor das orações pelos mortos”.



Alguns católicos argumentam que essa exclusão não é arbitrária porque essa obra não fazia parte das listas deuterocanônicas antigas, foi escrita depois da época de Jesus Cristo, foi relegada a uma posição inferior na Vulgata e só foi incluída nos apócrifos por protestantes no século XVII. Por outro lado, 2 (4) Esdras fez parte de listas antigas de livros não considerados completamente canônicos. Segundo o critério católico, a data da obra não diz respeito à possibilidade de ter ela constado dos apócrifos judaicos, mas com o fato de ter sito usada por cristãos primitivos; ela foi usada, juntamente com outros livros apócrifos. Não deveria ter sido rejeitada porque tinha posição inferior na Vulgata . Jerônimo relegou todas essas obras a uma posição inferior. Ela não reapareceu no latim até o século XVIII porque aparentemente algum monge católico arrancou a seção de orações pelos mortos.



Orações pelos mortos eram preocupação constante dos clérigos de Trento, que convocaram seu concílio apenas 29 anos depois de Lutero ter publicado suas teses contra a venda de indulgências. As doutrinas de indulgências, purgatório e orações pelos mortos permanecem ou caem juntas.


2. Argumentos doutrinários.




a) Canonicidade. As posições falsas e verdadeiras que determinam a canonicidade podem ser comparadas da seguinte forma ( Introdução bíblica, p. 62).



Posição incorreta sobre o cânon
Posição correta sobre o cânon

A igreja determina o cânon
A igreja descobre o cânon

A igreja é a mãe do cânon
A igreja é filha do cânon

A igreja é magistrada do cânon
A igreja é ministra do cânon

A igreja regula o cânon
A igreja reconhece o cânon

A igreja é juíza do cânon
A igreja é testemunha do cânon

A igreja é mestra do cânon
A igreja é serva do cânon



Fontes católicas podem ser citadas para apoiar a doutrina de canonicidade que se parece muito com a “posição correta”. O problema é que apologistas católicos geralmente se equivocam nesse assunto. Peter Kreeft, por exemplo, argumentou que a igreja deve ser infalível se a Bíblia é, já que o efeito não pode ser maior que a causa e a igreja causou o cânon. Mas se a igreja é regulada pelo cânon, em vez de governá-los, então a igreja não é a causa do cânon. Outros defensores do catolicismo cometem o mesmo erro, afirmando que faz a igreja definidora do cânon. Eles negligenciam o fato de que foi Deus (por inspiração) quem causou as Escrituras canônicas, não a igreja .



Essa má interpretação às vezes é evidente no uso equivocado da palavra testemunha . Quando falamos sobre a igreja como "testemunha" do cânon depois da época em que foi escrito não queremos dizer no sentido de ser uma testemunha ocular (i.e., relatando evidência de primeira mão). O papel adequado da igreja cristã no descobrimento de quais livros pertencem ao cânon pode ser reduzido a vários preceitos.

Somente o povo de Deus contemporâneo à autoria dos livros bíblicos foi verdadeira testemunha da evidência. Só eles foram testemunhas do cânon durante seu desenvolvimento. Só eles poderiam atestar a evidência da característica profética dos livros bíblicos, que é o fator determinante da canonicidade.




A igreja posterior não é testemunha da evidência do cânon . Ela não cria nem constitui evidência para o cânon. É apenas descobridora e observadora da evidência que resta para a confirmação original da qualidade profética dos livros canônicos. A suposição da igreja de que a evidência subsiste em si mesma é o erro por trás da posição católica.




Nem a igreja primitiva nem a recente é juíza do cânon . A igreja não é o árbitro final quanto aos critérios do que será admitido como evidência. Somente Deus pode determinar os critérios para nosso descobrimento do que seja sua Palavra. O que é de Deus terá suas "impressões digitais"; só Deus o determina como são suas "impressões digitais".




Tanto a igreja primitiva quanto a recente são mais juradas que juízas . Os jurados ouvem as evidências, avaliam as evidências e apresentam um veredicto de acordo com as evidências . A igreja contemporânea (século I) testemunhou evidências de primeira mão da atividade profética (tais como milagres), e a igreja posterior examinou as evidências da autenticidade desses livros proféticos, que foram confirmados diretamente por Deus quando foram escritos.



De certa forma, a igreja “julga” o cânon. Ela é chamada, como todos os jurados são, a realizar a seleção e a avaliação das evidências para chegar ao veredicto. Mas não é isso que a igreja romana praticou no seu papel magisterial de determinação do cânon. Afinal, é isso que se quer dizer com o “magistério” da igreja. A hierarquia católica não é apenas ministerial; tem papel judicial, não apenas administrativo. Não é apenas o júri observando a evidência, mas é o juiz determinando o que se classifica como evidência.



Aí está o problema. Ao exercer o papel magisterial, a Igreja Católica escolheu o curso errado para apresentar sua decisão sobre os apócrifos. Inicialmente, decidiu seguir o critério errado, uso cristão em vez de qualidade profética . Em segundo lugar, uso evidência de segunda mão de escritores posteriores em vez de apenas evidência de primeira mão para a canonicidade (confirmação divina da atuação profética do autor). Em terceiro lugar, não usou confirmação imediata dos contemporâneos, mas afirmações posteriores de pessoas nascidas séculos depois dos eventos. Todos esses erros surgiram da interpretação incorreta do papel da igreja como juíza em vez de jurada, como magistrada em vez de ministra, soberana em vez de serva do cânon. Por outro lado, a rejeição protestante dos apócrifos foi baseada na compreensão do papel das primeiras testemunhas para as características proféticas e da igreja como guardiã dessa evidência da autenticidade.


Conclusão



As disputas sobre os apócrifos do AT têm um papel importante nas disputas católicas e protestantes sobre ensinamentos como purgatório e oração pelos mortos. Não há evidências de que os livros apócrifos sejam inspirados e, portanto, devam fazer parte do cânon das Escrituras inspiradas. Eles não afirmam ser inspirados, e a inspiração não lhes é atribuída pela comunidade judaica que os produziu. Não são citados nenhuma vez como Escritura no NT. Muitos pais da igreja primitiva, incluindo Jerônimo, os rejeitavam categoricamente. Acrescentá-los à Bíblia pelo decreto “infalível” no Concílio de Trento evidencia um pronunciamento dogmático e polêmico criado para sustentar doutrinas que não são apoiadas claramente em nenhum dos livros canônicos.



À luz dessa evidência poderosa contra os apócrifos, a decisão da ICR e Ortodoxa é infundada e rejeitada pelos protestantes. É um erro sério admitir materiais não inspirados para corromper a revelação escrita de Deus e minar a autoridade divina das Escrituras (Ramm, p.65).

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Obras consultadas

1.H. Andrews, An introduction to the apocryphal books of the Old and New Testaments.

2 Agostinho, A Cidade de Deus.

3 R.Beckwithm, The Old Testament canon of the New Testament church and its background in early judaism.

4 M.Burroughs, More light on Dead Sea scrolls.

5 H.Denzinger, Documents of Vatican II, cap.3 ____ The sources of catholic dogma.

6 N.L.Geisler, “The extent of the Old Testament canon”, em G.E.Hawthorne, org., Current issues in biblical and patristic interpretation.

__ e W.E.Nix, Introdução bíblica, ed.rev .

7 Josefo, Antigüidades dos judeus, 1.8 .

8 B.Metzger, An introduction to the apocrypha.

9 B.Ramm, The pattern of religious authority.

10 P.Schaff, The creeds of christendom.

1 1 A.Souter, The text and canon of the New Testament.



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Fonte: Enciclopédia Apologética – Copyright 2001. Todos os direitos reservados em língua portuguesa por EDITORA VIDA. Publicado anteriormente com o título Baker Encyclopedia of Christian Apologetics, em edição da Baker Book House Company (Grand Rapids, Michingan, EUA).



Extraído de: http://www.monergismo.com/textos/bibliologia/apocrifos_analisando_geisler.htm

Cronologia da vida do apóstolo Paulo


Cronologia da vida do apóstolo Paulo

O que se conhece acerca da vida de Paulo encontra-se somente em Atos e em seus escritos antigos, conforme preservados no Novo Testamento. Assim, muito pouco se conhece acerca de Paulo antes de seu aparecimento em Atos 7:58. Para se ter informação sobre seus primeiros anos, é necessário colher-se os poucos dados disponíveis do Novo Testamento e interpolar-se nestes dados o que se conhece acerca da época em que Paulo viveu, um rapaz judeu da diáspora que recebera treinamento rabínico em Jerusalém.

A palavra que Lucas usou para apresentar Paulo a seus leitores em Atos 7:58 pode referir-se a qualquer pessoa do sexo masculino de até quarenta anos de idade. Isto indicaria que Paulo nasceu próximo ao início da era cristã. O pai de Paulo, judeu da tribo de Benjamim (Fil. 3:5) e fariseu (At. 23:6), era cidadão romano que vivia no importante centro metropolitano de Tarso, na Cilícia, Ásia Menor. A cidade era um centro de educação, superado no tempo de Paulo somente por Atenas e Alexandria. Como seu pai era cidadão romano, Paulo herdou essa cidadania. Dentro do círculo da família, ele teria recebido suas primeiras instruções religiosas de seus pais e, um pouco mais tarde, teria freqüentado a escola da sinagoga local, como qualquer criança judia. Talvez ele também tenha freqüentado uma das muitas universidades de Tarso, para obter uma educação mais formal nos princípios de retórica, lógica e filosofia. Isto, contudo, é somente conjetura baseada na maneira pela qual Paulo demonstrou, em suas cartas, sua familiaridade com a argumentação filosófica vigente. Ele tinha dois nomes dados, um em latim (Paulus), que denotaria sua cidadania legal romana, e o outro em hebraico (Saulo), que seria usado na família e nos círculos judaicos. O nome em grego é uma transliteração do nome latino, e não uma tradução do nome hebraico. Dos irmãos e irmãs de Paulo, sabe-se somente que ele tinha uma irmã morando em Jerusalém na ocasião de sua prisão lá (At. 23:16).

Em certa época, nos anos iniciais de Paulo, ele foi enviado a Jerusalém para estudar a lei rabínica, sob a orientação do bem conhecido Mestre Gamaliel (At. 22:3). Pareceria que Paulo estava em Jerusalém durante o ministério ativo e a ocasião da morte de Jesus. Contudo, Paulo não dá certeza se viu Jesus nos dias em que esteve em carne (II Cor. 5:16). Houve muita discussão acerca de se Paulo foi casado alguma vez. Pelo fato de que era necessário um rabi ser casado e era uma vergonha um adulto não ser casado, é mais provável que Paulo fora casado. Contudo, porque não há nenhuma referência em suas cartas acerca de uma esposa, é lógico pressupor-se que ela morrera antes da perseguição ativa, de Paulo, da igreja, conforme registrado em Atos 8. Alguns interpretaram as palavras de Paulo em Atos 26:10 "...dei o meu voto contra eles quando os matavam" — como significando que Paulo fora um membro do Sinédrio. Estas palavras dificilmente significam nada mais que Paulo concordava com o julgamento do conselho. Um "mancebo" (At. 7:58) dificilmente pertenceria a um conselho de "anciãos" (At. 5:21). Em nenhuma parte, em suas cartas, Paulo sugere que tenha sido membro da corte suprema judaica. Atos 9:1,2 e 22:5 apresentam Paulo como sendo mais um funcionário que membro do Sinédrio.



Em Atos, Paulo aparece pela primeira vez na ocasião da morte de Estevão. Foi o zelo farisaico de Paulo pelas "tradições dos pais" que o levou a um conflito severo com os seguidores de Jesus (Fil. 3:5-9). Ele era um dos líderes, e, provavelmente, o mais ardoroso, na perseguição inicial da igreja pelos líderes religiosos judeus. Quando os crentes fugiram de Jerusalém, Paulo pediu e recebeu permissão do sumo sacerdote para procurar e prender os cristãos que ele esperava encontrar em Damasco (At. 9:1,2). Como fariseu leal e consciencioso, Paulo realmente pensava que estivesse fazendo a Deus um serviço ao tentar destruir a nova seita blasfema (At. 22:3; 26:9; ver João 16:2, onde Jesus havia predito tal ação).

A conversão de Paulo na estrada para Damasco deve ter sido vista por Lucas como um dos mais importantes acontecimentos do cristianismo primitivo. Há três narrativas deste evento em Atos: uma narrada por Lucas (9:3-19) e duas por Paulo (22:6-16; 26:12-18). Embora haja algumas variações em cada uma das narrativas, estas podem ser explicadas pelo propósito de cada narrativa e a audiência para a qual cada uma foi pretendida. O elemento importante é que a experiência na estrada de Damasco transformou Paulo de um perseguidor fanático da igreja em seu mais ardente e capaz defensor e propagador.

De Gálatas (1:17,18) sabe-se que Paulo passou algum tempo em Damasco, foi para a Arábia e retornou a Jerusalém depois de três anos. Ele foi recebido com suspeita pelos irmãos de Jerusalém, até que Barnabé o aceitou e apresentou aos apóstolos (At. 9:26,27). Uma trama dos judeus helenizantes contra sua vida fez a igreja persuadi-lo a deixar Jerusalém. Ele assim o fez, e foi para sua cidade de Tarso (At. 9:28-30). Dos anos passados em Tarso nada se sabe. Possivelmente uns dez anos foram passados lá. Esses anos são chamados os "anos de silêncio" do ministério de Paulo.

Lucas registra que Barnabé, enviado pela igreja em Jerusalém a Antioquia da Síria, foi a Tarso para obter a ajuda de Paulo em seu trabalho entre os gentios de Antioquia (At. 11:25). Atos 11:27-30 também registra uma "visita na época da fome" a Jerusalém por Paulo e Barnabé, que não é mencionada em mais nenhuma parte no Novo Testamento. Os anos de fome ocorreram nos dias de Cláudio César (41:54 d.C.) e por volta da época da morte de Herodes Agripa I (44 d.C). Há vários problemas críticos sobre a harmonização de Atos 11-12 com Gálatas 2, mas estes serão discutidos no capítulo sobre Gálatas. Neste ponto pressupõe-se que Gálatas 2 se refere à viagem de Paulo a Jerusalém, conforme apresentada em Atos 15.

Depois de terem retornado de Antioquia, Paulo e Barnabé foram enviados para fazerem o que é Comumente chamado a "Primeira Viagem Missionária" (At. 13:1-14:28). Esta viagem de fundação de igrejas foi limitada à Ilha de Chipre e às regiões da Ásia Menor sul-central, conhecidas como Panfília, Pisídia, Licaônia e Lícia. Isto foi identificado por W. Ramsay, como parte da província romana da Galácia. Ao retornarem a Antioquia, para relatar sobre seu trabalho, Atos expõe o problema que os levou à Jerusalém, conforme Atos 15. Este mesmo acontecimento é apresentado em Gálatas 2:1 como tendo acontecido quatorze anos após a saída apressada de Paulo daquela cidade, para Tarso. Atos 15 e Gálatas têm tantos dados em comum que pouca dúvida pode haver de as duas passagens se referirem à mesma ocorrência. Supondo-se que as referências de Paulo são das viagens que ele fez a Jerusalém, para consultar os apóstolos lá, na ocasião, é mais provável que a visita de Atos 11-12 não foi mencionada em Gálatas. Tendo obtido a aprovação da igreja em Jerusalém, sobre seu trabalho entre os gentios Paulo e Barnabé retornaram a Antioquia e passaram mais algum tempo lá (At. 15:35). Este escritor crê que foi durante sua estadia em Antioquia antes da Segunda Viagem Missionária que Paulo escreveu a Epístola aos Gálatas. Outra vez, a data da escrita de Gálatas será discutida no capítulo sobre esse livro.

Na Segunda Viagem Missionária (At. 15:36-18:22), Paulo e Silas visitaram as igrejas anteriormente estabelecidas e viajaram para Trôade. Impedidos, pelo Espírito Santo, de evangelizarem mais na Ásia Menor, eles atravessaram para a Europa e fundaram igrejas na Macedônia e em Acaia. Quando esteve em Corinto (Acaia), Paulo entrou em contato com Priscila e Áqüila, judeus cristãos que haviam recentemente sido expulsos de Roma por Cláudio. O edito de expulsão foi ordenado no nono ano do reinado de Cláudio (cerca de 49 d.C). Foi de Corinto que Paulo escreveu as duas cartas à igreja de Tessalônica (na Macedônia). Depois de dezoito meses em Corinto, Paulo foi acusado por judeus descrentes perante Gálio, o novo procônsul romano. Gálio chegou a Corinto por volta de 51 d.C, para assumir suas funções. Paulo foi inocentado das acusações trazidas contra ele e, após passar um pouco mais de tempo em Corinto, viajou, via Éfeso e Jerusalém, para Antioquia da Síria, chegando na primavera de 52 d.C.

A narrativa da Terceira Viagem Missionária é transferida quase que inteiramente para o ministério de três anos de Paulo em Éfeso (At. 19). Quando em Éfeso, Paulo escreveu pelo menos três cartas à igreja em Corinto: uma carta perdida (referida em I Cor. 5:9), a I Coríntios canônica, e uma carta "angustiosa" (referida em II Cor. 2:4; 7:8). De II Coríntios (12:14; 13:1), sabe-se que Paulo fez uma rápida visita a Corinto e voltou a Éfeso. Deixando Éfeso após o tumulto, Paulo foi para Trôade e depois para a Macedônia. Lá ele escreveu II Coríntios. prosseguindo para Corinto, Paulo escreveu Romanos, na antecipação de visitar Roma em seu caminho para a Espanha, depois de levar uma oferta aos santos pobres de Jerusalém (Rom. 15:22-28). A Epístola aos Romanos teria sido escrita durante o inverno de 55-56 d.C.

Em Jerusalém, Paulo foi preso e, a fim de salvar sua vida, foi enviado ao procurador Romano em Cesaréia (At. 23:12-35). Em Cesaréia, ele foi julgado perante Félix, o procurador de cerca de 51-57 d.C. A datação da procuradoria de Félix é um dos itens mais indefiníveis nos estudos do Novo Testamento. Isto foi tratado no capítulo anterior, sobre Atos. Supõe-se, nesse livro, que Félix foi chamado de volta por Nero em 57 d.C, e Festo tomou seu lugar naquele ano. Atos 24:27 afirma que Félix manteve Paulo em prisão domiciliar por dois anos. Seguindo-se à chegada de Festo, tais eram as circunstâncias, que Paulo alegando a prerrogativa de cidadão romano, apelou para a corte de César. No outono de 57 d.C, a perigosa viagem de inverno até Roma se iniciou, chegando-se lá após grande apuro na primavera de 58 d.C. (At. 27:1-28:14). Lucas não relata em Atos o resultado do julgamento perante Nero, mas ele dá a entender que, após dois anos de confinamento, Paulo foi posto em liberdade (At. 28:30), por volta do ano 60 d.C. Durante os dois anos em Roma, Paulo escreveu as Epístolas da prisão: Filemom, Colossenses, Efésios e Filipenses.



Com o encerramento de Atos, qualquer história de maior atividade de Paulo deve vir ou de seus escritos ou dos pais antigos da Igreja. Clemente de Roma (por volta de 96 d.C.) escreveu que Paulo foi solto e pregou até "as extremidades do Ocidente". Para um romano, isto só poderia significar Espanha, a Península Ibérica. Das Epístolas Pastorais, sabe-se que Paulo voltou para o Oriente, passando por Creta, Éfeso, Trôade e Macedônia, mas não, necessariamente, nessa ordem. Provavelmente, da Macedônia ele escreveu I Timóteo, tendo enviado Timóteo anteriormente a Éfeso. Ou da Macedônia ou de Corinto, Paulo escreveu a Epístola a Tito, que ele havia deixado em Creta. Dos historiadores romanos, sabe-se que, em 19 de julho de 64, Roma foi incendiada, e, para transferir a suspeita de sua pessoa, Nero pôs a culpa nos cristãos. Porque Paulo, um notável líder da Igreja, havia sido julgado uma vez perante Nero, pensa-se que Nero ordenou sua prisão e retorno a Roma, para julgamento. Foi durante este segundo aprisionamento em Roma que II Timóteo foi escrita. Uma tradição antiga afirma que Paulo foi martirizado durante o ano do incêndio de Roma. A evidência para esta tradição é mais forte que a sugestão de Paulo e Pedro, ambos, terem sido mortos no ano da morte de Nero (68 d.C.). Portanto, Paulo foi decapitado pelas autoridades romanas (conforme se supõe em 29 de junho de 65.

Deve ser reconhecido que, por causa de dados conflitantes entre os historiadores antigos e o uso de pelo menos três sistemas de calendários diferentes, a maior parte das datas é, no máximo, só aproximada. As de precisão razoável são: a morte de Herodes Agripa I (44 d.C), o decreto de Cláudio, expulsando os judeus de Roma (49 d.C), a designa¬ção de Gálio (51 d.C), o incêndio de Roma (64 d.C), e a morte de Nero (9 de junho de 68). Mediante estas datas, uma história razoavelmente precisa da vida de Paulo pode ser construída:

A.D.1 ......................... Nascimento
33-34 ......................... Conversão
45 .................................. Visita a Jerusalém pela época da fome
46-48 ............................. Primeira Viagem Missionária
49.................................. Conferência de Jerusalém (dezessete anos após sua conversão)

49-52............................. Segunda Viagem Missionária
52-56............................. Terceira Viagem Missionária
56-57............................. Prisão em Jerusalém e dois anos na prisão em Cesaréia
57-58............................. Viagem a Roma
58-60............................. Primeiro aprisionamento em Roma
60-64............................. Viagem a Espanha, Creta, Macedônia e Acaia
64-65............................. Prisão, segundo aprisionamento em Roma e morte

Márcio Melânia