quarta-feira, 15 de junho de 2011

Santificação - A. A. Hodge


Santificação - A. A. Hodge (1823-1886)
do JOSEMAR BESSA


1. Todos aqueles em quem Deus, através da regeneração, criou uma nova natureza espiritual, continuam sob sua graciosa influência, sua Palavra e seu Espírito habitam neles e assim possuem neles implantada a graça que se desenvolve mais e mais.

2. Essa obra de santificação envolve tanto a gradual destruição do velho corpo do pecado quanto a vivificação e fortalecimento de todas as graças no novo homem, a purificação interior do coração e mente, bem como todas as santas ações que deles procedem.

3. Essa obra de santificação envolve o homem todo - intelecto, emoções e vontade, alma e corpo.

4. Ela nunca será perfeita nesta vida, mas em cada caso, como no caso de Paulo, permanece aí, mais ou menos, a velha "lei em nossos membros", digladiando contra a lei de nossa mente.

5. Que, não obstante, de um constante suprimento de força do Espírito santificante de Cristo, o gracioso elemento na natureza do crente prevalece e ele gradualmente avança em santidade até que se torne perfeito na morte.

1. Deus, havendo implantado na regeneração uma nova natureza espiritual no objeto de sua graça, continua sempre a nutrir e desenvolver aquele princípio, pela habitação de sua Palavra e Espírito, até que alcance plena perfeição.

O verbo "santificar" é usado na Escritura em dois sentidos diferentes.
1.1. Consagrar ou separar do uso comum para um uso sacro. Jo 10.36; Mt 23.17.

1.2. Tornar moralmente puro ou santo. 1 Co 6.11; Hb 13.12. No último sentido do verbo, a regeneração é o ponto de partida da santificação, e esta é o complemento da obra começada na regeneração. Como a regeneração é um ato da livre graça de Deus, assim a santificação é uma obra graciosa de Deus e eminentemente do Espírito Santo. Ela é atribuída absolutamente ao Pai (1 Ts 5.23); ao Filho (Ef 5.25,26); e preeminentemente ao Espírito Santo (2 Ts 2.13), cujo ofício especial, na economia da redenção, é aplicar a graça assegurada através da mediação do Filho.

Os meios de santificação são de duas ordens distintas —

a. Interno e

b. Externos.

O meio interno de santificação é a fé. Fé é o instrumento de nossa santificação - e daí de nosso livramento da condenação e da comunhão com Deus - o órgão de nossa união com Cristo e associação com seu Espírito. Fé, além do mais, é aquele ato da alma regenerada pelo qual ela abraça e experimenta o poder da verdade, e pelo qual as experiências íntimas do coração e as ações externas da vida são produto da obediência à verdade.

O meios externos de santificação são —

A verdade como revelada nas Escrituras inspiradas: "Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade." Jo 17.17,19. "Desejai como crianças recém-nascidas o puro leite da verdade, a fim de poderdes, por ela, crescer para a salvação." 1 Pe 1.22; 2.2. A verdade, como meio de santificação, se põe em correlação com a fé, o meio interno dela. Confissão de Fé, cap. xiv. § 2: Esta fé "age de conformidade com aquilo que cada passagem contém em particular, prestando obediência aos mandamentos, tremendo ante as ameaças e abraçando as promessas de Deus para esta vida e para a futura." Por esse meio a verdade nutre e exercita os princípios da graça implantados na alma.

ii. Os sacramentos. Mt 3.11; 1 Co 12.13. 1 Pe 3.21.


iii. A oração é um meio de santificação — (a.) Como o ato no qual a alma entra em comunhão com Deus; e (b.) Já que Deus prometeu responder à oração confiante com a doação dos dons espirituais. Jo 14.13,14.

iv. A graciosa disciplina da providência de Deus. Jo 15.2; Rm 5.3,4; Hb 12.5-11.


Deve ter-se em mente que enquanto o sujeito é passivo com respeito a esse ato divino da graça pelo qual ele é regenerado, após ser regenerado ele coopera com o Espírito Santo na obra de santificação. O Espírito Santo comunica a graça, inclina e dirige em seu exercício e a alma se exercita nela. E assim, enquanto a santificação é uma graça, é também um dever; e a alma é compelida e encorajada a usar com diligência, na dependência do Espírito Santo, todos os meios para sua renovação espiritual e para formar aqueles hábitos que facultam resistir o mal e agir certo no que a santificação tão amplamente consiste. Os frutos da santificação são boas obras. Uma ação, para ser boa, deve ter sua origem num princípio santo do coração, e deve estar conformada à lei de Deus. Embora não sejam a base de nossa aceitação, as boas obras são absolutamente essenciais à salvação, como as conseqüências necessárias de um estado gracioso da alma e exigências perpétuas da lei divina. Gl 5.22,23; Ef 2.10; Jo 14.21.

2. Esta obra de santificação envolve a destruição do velho corpo de pecado, bem como o desenvolvimento da graça implantada na regeneração; ela é também primeiramente interna e espiritual e, então, externa e prática.

Que todo o corpo de morte não é imediatamente destruído, no exato momento da regeneração, é claramente ensinado no sexto e no sétimo capítulos de Romanos, na experiência registrada de muitos caracteres bíblicos e na experiência universal de cristãos nos tempos modernos. Daí segue-se necessariamente que as tendências graciosamente implantadas e sustentadas devem entrar em conflito com as tendências para o mal que permanecem. Elas só podem coexistir num estado de ativo antagonismo, e quando uma consegue prevalecer, a outra deve perder. "E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com suas paixões e concupiscências." Gl 5.24. "Mortificai, pois, vossos membros de caráter terreno." Cl 3.5.


Que esta obra tem início no estado do coração e governa a vida ao governar previamente o coração, é óbvio —
2.1. À luz do notório fato da natureza humana de que o caráter moral de todas as ações se deriva das disposições morais interiores e das inclinações que as impelem.

2.2.0 mesmo é assegurado nas Escrituras. Lc 4.45. Visto que o caráter do fruto é determinado pelo caráter da árvore que o produz, assim o caráter moral das ações depende do coração do qual procedem: "Ou fazei a árvore boa, e seu fruto bom, ou fazei a árvore corrupta, e seu fruto corrupto." Mt 12.33.

2.3. De fato as boas obras só podem ser produzidas pelo cora-ção em viva união com Cristo: "Como o ramo não pode produzir fruto de si mesmo, exceto se permanecer na videira, nem vós o podeis, exceto se permanecerdes em mim." Jo 15.4.

3. Esta obra de santificação envolve o homem todo - intelecto, emoções e vontade, alma e corpo.

Isso se prova —

3.1. À luz da necessidade do caso. Nossa condição natural e pecaminosa envolve cegueira de mente, tanto quanto cegueira ou perversidade de coração.

3.2. À luz do fato de que somos santificados pela instrumentalidade da verdade.

3.3. É implicitamente asseverado na Escritura que a santificação envolve iluminação espiritual: "para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê o espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele; sendo iluminados os olhos de vosso coração, para que saibais qual seja a esperança de sua vocação, e quais as riquezas da glória de sua herança nos santos." Ef 1.17,18; Cl 3.10; 2 Co 4.6; 1 Ts 5.23.

Como nossos corpos são partes integrantes de nossa pessoa, seus instintos e apetites agem imediatamente sobre os sentimentos de nossa alma; e daí devem manter o sujeito sob o controle da vontade santificada, e todos os membros do corpo, como órgãos da alma, feitos instrumentos da justiça para Deus. Rm 6.13; 1 Ts 4.4.

4. Esta obra de santificação nunca será aperfeiçoada nesta vida.

Diferentes partidos dos perfeicionistas mantêm que a perfeição é possível nesta vida, em diferentes sentidos.

Os pelagianos mantêm —

4.1. Que a lei de Deus diz respeito somente aos exercícios e ações voluntários, e não aos estados da alma.

4.2. Que a obrigação é sempre limitada pela capacidade - que a lei de Deus não pode exigir mais que seu sujeito é plenamente capaz de corresponder. Daí, à luz dos próprios limites da obrigação morai, segue-se que cada pessoa é sempre perfeitamente capaz de fazer tudo quanto se lhe requer. Por isso ela pode ser perfeita sempre que quiser.

Os arminianos e papistas perfeicionistas sustentam —

a. Que os homens nada podem fazer moralmente certo sem a graça divina; e

b. Que mesmo com essa graça ninguém é capaz perfeitamente de guardar a lei original adâmica de perfeição absoluta. Defendem, contudo, que Deus, em virtude dos méritos de Cristo, graciosamente reduziu as exigências da lei, no caso dos crentes, de perfeição absoluta para a fé e obediência evangélicas. Sustentam que é o privilégio e dever de todos os homens, nesta vida, alcançar o estado de amor perfeito e obediência sincera à lei do evangelho, ao que chamam perfeição graciosa ou cristã.

Os papistas fazem distinção entre transgressões voluntárias da lei conhecida e concupiscência, ou primeiros movimentos involuntários dos restos de corrupção no íntimo do regenerado. O último eles negam ser propriamente da natureza do pecado. John Wesley ensina o mesmo. Methodist Doctrinal Tracts, pp. 294-312.

Mas que a concupiscência, ou primeiros movimentos e tendências do desejo mau no coração dos regenerados provêm da natureza do pecado é distintamente afirmado em nossos Padrões. Confissão de Fé, cap. vi., § 5. Que isso é procedente, prova-se: —

a. Todos os homens julgam que o estado moral da alma que determina, ou tende a determinar, a ação má, é por si mesmo essencialmente mau, e deveras a real fonte do mal na ação.
b. Toda experiência cristã genuína envolve o mesmo juízo prático. O principal elemento em toda convicção genuína de pecado é, não simplesmente que os pensamentos, palavras e sentimentos são errados, mas que, pondo muito abaixo todos os exercícios e volições, a natureza é moralmente corrupta. É seu entorpecimento para com as coisas espirituais - cegueira, endurecimento, aversão por Deus - que é ele desajudado para mudar, que principalmente oprime o homem realmente convicto com o senso de pecado; e, emalgum grau, a mesma convicção permanece até à morte.

c. É da essência da lei moral exigir ela tudo o que convém. Tudo, até mesmo a menor deficiência da medida total da excelência moral que convém, é da natureza do pecado. Portanto, nada menos que a absoluta conformidade com a lei adâmica de absoluta santidade é da natureza da perfeição impecável, ou deve chamá-lo por esse nome.

d. Todas as orações e hinos e literatura devocional dos wesleianos, bem como de outras igrejas evangélicas que professam certa espécie de perfeicionismo, reconhecem o pecado no crente. O Dr. Peck* admite que as operações da concupiscência, ou a persistente tendência espontânea para o mal, no coração do cristão perfeito, é uma ocasião para a auto-aversão e confissão de que necessitam de perdão e de constante aplicação do sangue expiador de Cristo. Concordamos com isso e mantemos, pois, que esses resíduos de corrupção em todos os cristãos provêm da natureza do pecado, e que, conseqüentemente, os cristãos, em quem persistem, não são perfeitos.

e. Paulo expressamente chama a concupiscência de pecado: "eu não conheci o pecado senão pela lei; porque eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçarás." Rm 7.7. O pecado que habitava em Paulo operava nele contra sua vontade, e operava nele toda forma de concupiscência. Rm 7.14-25. E contudo essa tendência má, essa lei em seus membros, digladiando contra a lei de seu espírito, é expressamente chamada "pecado"; e em outras passagens ela é chamada o "velho homem", o "corpo do pecado". Cl 2.11; 3.9.

f. As biografias e testemunhos registrados de todos os santos da Escritura impossibilitam atribuir perfeição impecável a qualquer um deles. Paulo o repudia. Rm 7.14-25; Fp 3.12-14. João o repudia em sua própria pessoa e na pessoa de todos os cristãos. 1 Jo 1.8.

A palavra "perfeito" se aplica a alguns homens na Escritura, ou para caracterizar excelência comparativa, ou para asseverar genuína sinceridade na profissão ou serviço. As biografias inspiradas, porém, dos mesmos homens - tais como Davi, At 13.22; Noé, Gn 6.9; e Jó, Jó 1.1 - provam muito nitidamente que a perfeição tencionada não era impecável.

g. O perfeicionismo se põe conflito com a experiência e a observação universais do povo de Deus. A profissão pessoal dela deve geralmente ser julgada com base em séria suspeita de sanidade mental ou sinceridade moral do reivindicador.

5. Não obstante, à luz de um constante suprimento de força provindo do Espírito santificante de Cristo, o gracioso elemento na natureza dos crentes prevalece, e ele gradualmente avança em santidade até que seja aperfeiçoado na morte. Esta preciosa verdade se segue necessariamente do fato, já demonstrado, de que a santificação é uma obra da livre graça de Deus na execução de seus eternos propósitos salvíficos. Razão por que "temos por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Cristo Jesus" Fp 1.6.

Márcio Melânia
http://lattes.cnpq.br/5648348525008521

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