segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Os novos megatemplos de São Paulo


Os novos megatemplos de São Paulo

SÃO PAULO - “Glória! Glória! Glória! O tamanho da sua fé é o tamanho do seu voto! Só Jesus salva!”. São 15h30 de uma quinta-feira e o missionário Davi Miranda, fundador da Igreja Pentecostal Deus é Amor, convoca os fiéis que lotam a nova sede, o Templo da Glória de Deus, recém-inaugurado, a contribuir com o dízimo. Mulheres vestidas com avental rosa passam os envelopes no meio da platéia, que grita e ora. Alguns chegam às lágrimas. A maior parte contribui.

O templo, inaugurado no dia 1o de janeiro, fica na baixada do Glicério, zona central de São Paulo. É enorme: segundo dados da igreja, há espaço para 200 mil fiéis assistirem aos cultos, se todas as sete alas do edifício forem ocupadas.

Considerado “o maior do mundo” pelos pentecostais, o templo ainda está em construção. Mesmo assim, já bate de longe seu maior rival, o chamado “Templo da Fé”, da Igreja Universal do Reino de Deus, em Santo Amaro, zona sul de São Paulo, antes considerado o maior da cidade.
Ao lado do Templo da Glória de Deus, do missionário Davi Miranda, e do Templo da Fé, do bispo Edir Macedo, o Templo de São Paulo, da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, popularmente conhecidos como “mórmons”, não fica atrás.

Fundado em 1978, o primeiro templo mórmon da América do Sul passou por uma reforma de dois anos e será reinaugurado no próximo dia 17 de janeiro. Seus quase cinco mil metros quadrados são de puro luxo: tapetes caros, lustres alemães, portas e janelas de mogno, flores de seda, quadros em molduras caras. “Tudo pago com o dízimo”, segundo a missionária mórmon Jeanette Oakes.

O dízimo é definido como a décima parte daquilo que o fiel recebe em pagamento do seu trabalho. Todas as igrejas pesquisadas, apesar das diferenças comportamentais, pregam que o dízimo é destinado à "obra de Deus". E a contribuição dos fiéis é a justificativa encontrada para o financiamento de todos esses grandes templos. Haja dízimo.

O teólogo Oswaldo de Oliveira Santos Júnior afirma que “hoje em dia as pessoas consomem a religião como se fosse um produto como outro qualquer. O indivíduo constrói sua própria religiosidade”, explica.

“Esses cultos são uma espécie de ‘bricolagem’ religiosa, que agrega elementos de diversos cultos, afros, místicos, protestantes, católicos. Os fiéis pagam o dízimo achando que vão ter uma recompensa, e uma recompensa rápida. Se a recompensa não vier, eles vão para outra igreja”, diz Oswaldo.

Para ele, o dinheiro funciona “como uma troca”. “E a lógica é ser feliz. Por isso existem tantas igrejas aparecendo”, diz.

“O maior templo do mundo”

O ar cheira a cimento, não há tapetes no chão, o piso está coberto de poeira e os estacionamentos previstos para acomodar mais de 500 carros e cerca de 150 ônibus ainda não estão prontos. Mas a multidão, de aparência bastante humilde, lota o salão principal do Templo da Glória de Deus para ouvir a palavra de salvação de Davi Miranda em plena tarde de quinta-feira.

Mulheres ficam de um lado do salão, os homens ficam do outro. “É para evitar confusão se o demônio se apossar de alguém”, explicou uma senhora pentecostal que conversou com o Último Segundo.

O público ocupa a maior parte dos bancos de madeira e das cadeiras coloridas do templo. Nos bancos da frente, mais próximos ao “altar”, ficam os doentes e aqueles que precisam de atenção especial, como “tirar o demônio do corpo”.

O espaço é amplo, e a luz entra pelas janelas de vidros coloridos. O público se aproxima para ver a entrada de Davi Miranda e o aplaude.

O missionário, no entanto, não se aproxima muito dos fiéis. Miranda fica apartado do público, separado por uma estrutura de vidro, como uma cabine. É dali que ele convoca a multidão a “fazer seu voto”, ou seja, a contribuir com a igreja, para não serem “condenados”.

São esses “votos”, o dinheiro dos fiéis, que tornaram possível a construção do maior templo da cidade, segundo informações do site oficial da igreja.

Uma das primeiras chamadas do site explica como o fiel pode fazer sua doação: “Você pode contribuir para a construção do maior templo do mundo, enviando a sua oferta para uma das contas abaixo. Deus lhe recompensará pela sua ajuda em favor da obra do Senhor”.

Não é possível confirmar quanto foi envolvido nos gastos para a construção do megatemplo, já que a comunicação com os responsáveis pela igreja não é das mais fáceis. Após uma semana de contato com o departamento jurídico da igreja, a reportagem foi informada de que ainda não havia autorização para falar com ninguém da igreja.

De acordo com as informações do site oficial da Deus é Amor, o novo templo, que teria cerca de 70 mil metros quadrados de área, construído com o dinheiro proveniente dos dízimos, tem quase 50 metros de altura, um terminal rodoviário com capacidade para 143 ônibus, mais de 500 vagas de estacionamento de automóveis, aproximadamente 400 banheiros e 12 mil metros lineares de escada.

A igreja, fundada em 1962 pelo missionário Davi Miranda, está presente em mais de 120 países, com 12 mil igrejas, “dezenas e dezenas de milhões de convertidos” e 11 mil programas de rádio diários, segundo o próprio site.

As paredes do novo templo apresentam grandes mapas, que mostram para quais países a palavra de Davi Miranda chega através do rádio: além do Brasil e de países da América do Sul, a pregação do missionário chega até África e Oceania.

O megaedifício, amplo como um galpão, é dividido em 7 alas, que representam as cores do arco-íris, símbolo da Deus é Amor. O templo possui um altar móvel e, em cima dele, fica o “Ministério dos Louvores”. É nesse altar que Davi Miranda faz as suas pregações.

Parte disso ainda está em construção, como o terceiro piso e a ala dos estacionamentos. Mas a multidão não se importa. O missionário sim. Na tarde em que visitamos o templo, Davi Miranda mencionou um valor de R$ 3 milhões para concluir as obras.

Dois envelopes diferentes para arrecadar o dízimo foram passados entre os fiéis. O público orava, pedia seus milagres, aplaudia, tirava o “demônio” do corpo e, por fim, atendia, emocionado, aos apelos do missionário.

Os pentecostais parecem se esforçar para conseguir ampliar as contribuições: desde o dia 1o até 31 de janeiro, pregadores “especiais” promovem os cultos em três horários diferentes, segundo o site oficial. Davi Miranda, o missionário mobilizador de massas, está sempre lá.

Um “sacrifício” de R$ 300 a R$ 200 mil

Antes considerado o maior templo da cidade, o Templo da Fé, da Igreja Universal do Reino de Deus, na região de Santo Amaro, em São Paulo, perdeu o posto para a nova sede mundial da Deus é Amor.

No entanto, o prédio imponente, com suas colunas douradas e pé-direito alto, continua a receber os fiéis do bispo Edir Macedo diariamente para suas inúmeras reuniões. Poltronas estofadas e um palco simples, mas bem aparelhado eletronicamente, são o suficiente para os bispos e pastores envolverem seu público com canções, palmas e, claro, pedidos de dízimo.

Quem quiser, pode fazer compras na lojinha de souvenirs, que fica dentro do templo, depois de orar. Ou ainda tomar um lanche no Bob’s, no largo páteo atrás do prédio, com cadeiras e uma agradável área de descanso. A igreja oferece ainda estacionamento gratuito para os fiéis.

Nesta última quarta-feira à tarde, o grande salão principal estava praticamente vazio, perto da lotação que fica aos domingos ou em dias de cultos especiais.

O bispo Gérson Cardoso, “braço direito” de Edir Macedo, segundo afirmou um dos fiéis, tentava fazer a platéia se animar: “Você que não pegou ainda (o envelope do dízimo), e seu sacrifício é de duzentos mil, de cem mil, de cinqüenta mil reais, de trinta mil, de vinte mil reais para cima, ou dez mil reais, você sai do lugar, suba aqui no altar, pegue o seu envelope”, bradava o bispo, entre uma oração e outra.

Como ninguém aparentemente parecia disposto a dar uma contribuição tão elevada, o bispo Gérson foi baixando os valores, falando em doações de “até 300 reais” para a Fogueira Santa do Monte Moriá em Jerusalém, um evento que aconteceria neste próximo domingo.

Cerca de quinze fiéis se animaram e foram ao altar para pegar o envelope. “Você vai ser fiel, não vai voltar atrás. Honra, senhor Jesus, essas pessoas que estarão subindo ao teu altar com seu perfeito sacrifício, com o que elas não poderiam fazer, Senhor, mas estarão fazendo porque estão vendo o que ninguém pode ver. Estão vendo com os olhos da fé a sua vitória”, dizia o bispo.

A função do pastor era deixar claro, ali, que o “sacrifício”, ou seja, o dízimo, era a prova maior de confiança em Jesus. Bispo Gérson é veemente ao falar com o público: “O dízimo é uma devolução, é a fidelidade a Deus, e o devorador será reprimido”.

Segundo informações do site da igreja, a Universal possui hoje 8 mil templos. O maior deles fica no Rio de Janeiro, é a chamada “Catedral da Fé”, que comporta cerca de 10 mil pessoas. Em São Paulo, o Templo da Fé tem capacidade para cerca de 5 mil pessoas.

A Universal se recusou a falar com a reportagem do Último Segundo. O departamento jurídico da igreja alegou que não podia transmitir quaisquer informações para a imprensa. A Universal controla diversos ramos da comunicação no país, como emissoras de rádio e televisão.

Luxo na casa de Deus

Diferentemente da postura de humilhação perante Deus, observada nos cultos pentecostais e evangélicos, os membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, conhecidos popularmente como “mórmons”, mostram orgulho diante de sua crença e de seu Deus. Não gritam, nem exorcizam demônios. Preferem falar baixo e em tom reverente.

A missionária Jeannette Oakes, de 68 anos, vivendo há dois no Brasil, apresentou o Templo de São Paulo, todo reformado, para nossa reportagem antes da inauguração. O espaço, que fica no Butantã, zona oeste da cidade, será reinaugurado oficialmente no dia 17 de janeiro, e ficará aberto para visitação pública até o dia 14 de fevereiro. Depois dessa data, somente membros da igreja podem visitá-lo.

“O Templo de São Paulo” é histórico para a Igreja, afirmou “sister” Oakes, como é chamada pelos membros. “É o primeiro templo da América do Sul. Aqui são feitas as ordenanças mais importantes”, contou.

Segundo informações cedidas pela igreja, o templo tem, ao todo, quase cinco mil metros quadrados. Nada que se compare aos 70 mil metros quadrados projetados pelos pentecostais da Deus é Amor. Mas, em termos de luxo, o templo dos mórmons é muito mais caro. “Usamos tudo do bom e do melhor para reformar este templo”, contou Jeannette. “Aqui tudo é dez. Estamos na casa do Senhor”.

O responsável pelo atendimento à mídia e membro da igreja, Nei Garcia, informou que o valor total dos custos envolvidos na reforma do templo não pode ser divulgado. “Mas eu sei que, só com tecidos, foram gastos 500 mil dólares”, afirmou a missionária Jeannette Oakes. “E todos os custos foram financiados pelo dízimo”, acrescentou.

Pela primeira vez, praticamente 90% dos materiais utilizados na reforma são brasileiros, segundo a missionária. Antes, os materiais eram importados dos Estados Unidos.

“Para mim, isso é motivo de muito orgulho. Para os arquitetos norte-americanos, abaixo do sul do México não tem nada, mas provamos que São Paulo tem materiais com uma qualidade muito boa. Nosso objetivo é exportar esses materiais brasileiros para outros templos na América do Sul”, disse a missionária Oakes.

O luxo está presente em cada detalhe do templo reformado. Cadeiras receberam novo estofamento, as salas ganharam espelhos e quadros com molduras especiais, tapetes, cortinas, tudo foi mudado. Crianças têm uma sala especial, com cadeiras, mesas e sofás menores, adaptados ao seu tamanho, e muitos armários onde ficarão diversos brinquedos.

A chamada “sala celestial”, reservada para meditações e orações, tem um lustre, importado da Alemanha, que impressiona pelo brilho, tamanho e majestade. “Tudo tem de ser perfeito. O templo é um lugar de reverência”, observou Nei Garcia. “O templo tem alguns propósitos, e um dos principais é reunir famílias. Nós acreditamos que as famílias podem ser eternas”, contou.

No templo reformado, há cerca de 10 mil peças de vidro, inúmeras flores de seda, 27 vitrais, portas e detalhes em mogno, tudo com símbolos especiais, como trigo, parreiras, coroas, desenhos de sol. Cada símbolo não está ali à toa. O trigo, por exemplo, representa a alimentação espiritual, pois “Cristo é o pão da vida”, segundo Garcia.

Desde criança, os freqüentadores têm objetivos traçados, aprendem a ser reverentes, a falar baixo, a respeitar a casa de Deus. “Nós não gostamos de preguiça, gostamos de trabalho”, comenta a missionária.

Atualmente, há quatro templos como este no Brasil, e um quinto está sendo projetado para Curitiba. O Brasil apresenta hoje 860 mil membros da igreja. Só no Estado de São Paulo, são 190 mil membros, dentre os 12 milhões de mórmons espalhados pelo mundo, em 162 países, segundo informações fornecidas pela igreja. “Nossa meta é nos aperfeiçoar para chegar perto Dele (de Deus)”, afirmou a missionária. “Cristo é nosso modelo de vida”.

Orgulhosos de suas crenças, os membros da igreja têm a convicção de que tudo é para a eternidade. Ou seja: tudo o que fazem agora será usado em benefício de seus descendentes no futuro. Por isso, “sister” Oakes não se acanha em contar que o dízimo pago pelos membros da igreja foi o que financiou essa megarreforma luxuosa.

“Eu pago com muito prazer o dízimo porque meus filhos têm a meta de se casar aqui neste templo. E eles precisam ter uma vida boa para entrar aqui. O que pagamos é em nosso próprio benefício”.

Por Luciana Mastrorosa, repórter iG em São Paulo

ULTIMO SEGUNDO 11/01/2004

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