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sábado, 23 de outubro de 2010
Mulher pastora: Base bíblica ou cultural?
Mulher pastora: Base bíblica ou cultural?
“As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é vergonhoso que as mulheres falem na igreja”.O trecho bíblico, que pertence a carta de Paulo à igreja de Coríntio, é interpretado de diversas formas por diferentes denominações, assim como o papel da mulher na igreja, especialmente em cargos de liderança.
O Antigo e Novo Testamento trazem exemplo de mulheres que exerceram atividades para que o Evangelho fosse pregado. Algumas foram profetisas como Miriã, retratada no livro de Êxodo (15.20), e Ana, parte do texto de Lucas (2.36); juíza instituída por Deus em Israel, como Débora (Jz 4.4); outras obreiras, como Priscila, esposa de Áquila, mencionada no livro de Atos.
Todavia, não há propriamente a citação de títulos de liderança espiritual dados à mulher, como por exemplo, o pastorado, o que é suficiente para deixar o tema controverso.
Base bíblica
Presidente do CIMEB – Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil e líder da Assembleia de Deus Bom Retiro, denominação que ordena mulheres ao pastorado, o pastor Jabes de Alencar interpreta a passagem de Coríntios utilizando o contexto histórico: “As mulheres, sentadas em ‘alas’ diferentes das dos homens, faziam perguntas em tom muito alto a seus maridos, interrompendo a ordem do culto. Assim, era-lhes necessária uma solicitação de silêncio para não comprometer o andamento daquela reunião”.
Jabes, que também tem ao seu lado sua esposa como pastora, exemplifica sua interpretação para a atuação da mulher na Igreja com outras passagens do Novo Testamento. “Em Atos 18, dois ministros são apresentados: Priscila e Aquila, tendo o nome da mulher à frente do homem, indicando sua autoridade. Febe, outra personagem com ministério na igreja, é citada em Romanos 16. Além disso, devemos considerar que o apóstolo Paulo, em algumas ocasiões, como em 2 Tm 2.11-12, fala sobre a impossibilidade das mulheres ensinarem. No entanto, este texto encontra sua razão de ser no fato das mulheres não terem acesso à educação – somente os homens – o que as impediria de uma atuação ostensiva na igreja. Não é o caso hoje”, aponta.
Rita de Cássia Leon, pastora da Igreja do Evangelho Quadrangular de Vila Industrial, bairro de São Paulo (SP), indica que muitas mulheres tiveram funções importantes nas narrativas bíblicas. Para fundamentar o exercício do pastorado por mulheres, Rita cita Gálatas 3:28: “Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”.
“Quem primeiro pregou o Evangelho foram mulheres, quando elas chegaram no túmulo de Jesus. O que é ser pastor, evangelista? É pregar o Evangelho. Por que Deus permitiu que as mulheres fossem as primeiras? Quando Deus nos chama para o ministério, ele nos dá o ‘Ide’ e o Ide pregar o Evangelho, expulsar demônios, falar em línguas, curar enfermos, não está direcionado para homem ou mulher, pastor ou pastora. Jesus manda ir”, expressa Rita.
Pastor titular da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória (ES), conferencista e escritor, Hernandes Dias Lopes cita a mesma passagem de Gálatas 3:28 para explicar a equivalência feminina: A mulher tem plena igualdade com o homem no que concerne ao valor intrínseco, ao valor pessoal. Deus criou homem e mulher a sua imagem e semelhança. A mulher tem a mesma posição do homem com respeito à questão da salvação [...] Em relação à família, a mulher também tem direitos legítimos [...] Agora o grande aspecto é com relação ao papel de liderança [...] A liderança não é uma posição que Deus confiou à mulher, Deus confiou ao homem. Uma questão de função dada por Deus”.
Hernandes entende o papel relevante da mulher. “A mulher tem direito a falar na igreja, tanto é que você encontra no Novo Testamento profetisas. A mulher pode, no meu entendimento, ser uma professora de Escola Dominical, pode pregar, ser uma missionária [...] Agora, para a questão do papel de liderança, do oficialato, eu não vejo base bíblica.
Uma questão cultural?
Jabes de Alencar define como “machismo” a posição de denominações que não possuem pastoras em suas igrejas, e argumentam que não há na Bíblia mulheres com títulos de liderança espiritual: “Na Bíblia, Débora, Miriã, Febe, entre outras, são citadas em posição de liderança, inclusive sobre homens. Imagine se no contexto absolutamente patriarcal já havia ensaios de liderança feminina, por que Deus impediria as mulheres de exercerem alguma função de liderança? Isso é de um peso preconceituoso sem tamanho. Respeito, sim, as posições contrárias, mas devo dizer que Jesus resgatou o valor da mulher na Cruz”.
“Eu entendo que foi cultural [...] Eu acredito que do jeito que nós vivemos hoje, se fosse esperar do homem, com toda vida corrida, nós seríamos poucas pessoas no ministério. Hoje as mulheres estão tomando sim, porque elas se dispõem”, expõe a pastora Rita.
Para o rev. Hernandes Dias Lopes, utilizar o argumento de que a cultura da época teria impedido mulheres de exercerem a liderança, é desvincular-se da Bíblia. “Se nós hoje adotarmos o princípio da mulher presbítera, pastora, por uma questão da evolução da sociedade, costumes, esses argumentos são antropológicos e sociológicos [...] Nós não encontramos em qualquer lugar do Novo Testamento o estabelecimento de presbíteras, pastoras, nem mesmo diaconisas, muito embora Febe, por exemplo, Romanos 16 versículo 1º, servisse à igreja, e a palavra servir vem de diácono, diáconos. Alguns entendem que ela fosse diaconisa, é um assunto controvertido, ainda não plenamente definido, há pontos de divergência”.
“Os argumentos hoje, em sua vasta maioria, que tentam apoiar são muito mais implementação da sociologia. Ah, porque hoje a mulher pode ser vereadora, ela pode ser prefeita, pode ser deputada, pode ser senadora, governadora, presidenta de uma nação, de grandes empresas multinacionais, então por que ela não pode ser presbítera, pastora? Na verdade, a mulher tem tanta capacidade quanto o homem, e não há nada de errado dela ocupar diversos cargos de liderança na sociedade, mas na Igreja nós temos a Bíblia como única regra de fé e prática”, evidencia Hernandes.
Dividindo tarefas ou relacionamento familiar?
Esposa do pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Itajubá (MG) – César Augusto Borges Ribeiro – a psicóloga Sônia sempre exerceu diversas atividades na igreja. Foi por quatro anos professora da Escola Dominical para adolescentes e casais, e por cinco, lecionou para os jovens; organizou também trabalhos paralelos à EBD como os grupos de convivência e festas comemorativas. Atualmente, Sônia coordena o ministério com crianças e entende que se atuasse como pastora poderia ter seu relacionamento familiar afetado. “A sobrecarga desta tarefa impediria o bom andamento da minha dinâmica familiar. Prefiro ser auxiliadora”, expôe.
Rita, que é pastora ao lado de seu esposo, Vagner Leon, explica que quando homem e mulher exercem função de liderança na igreja, os ministérios devem ser complementos um do outro. “Tem que trabalhar em conjunto, é muito difícil para uma mulher ser pastora sozinha, a não ser que ela seja solteira [...] O ministério de um pastor precisa também muito de uma esposa para lidar com as mulheres na igreja, aconselhar [...] Cada um tem um dom e trabalha dentro do seu dom. Eu sou pastora e mestre e o Vagner é o pastor administrador”.
Ela destaca que é importante que a mulher diferencie seu desempenho na igreja e em casa: “Uma coisa é o ministério. Outra coisa é dentro do seu lar, porque eu sou pastora e meu marido é pastor, e nós cumprimos a cadeia de autoridade que a Bíblia fala: que a mulher esteja submissa a seu marido [...] Dentro do lar eu sou esposa, mãe. A gente não está lá para competir com o ministério do outro ou com o dom”.
Em tom bem-humorado, Jabes de Alencar fala sobre a influência da esposa na família: “Qual o casamento em que a mulher não seja líder? Qual o marido que não espera a opinião da mulher para tomar as decisões? Qual o marido que exerce com maestria a liderança familiar? A não ser nos casos extremos de machismo, ou em contextos culturais em que as mulheres são tratadas como ‘animais’, todo o universo tem mulheres em posição de liderança na casa, e isso não vai mudar por causa de um título, ou a ausência dele”.
Com relação ao sacerdócio do lar, ele ressalta que esse papel de autoridade espiritual nem sempre é exercido pelo homem. “Há casos em que a mulher é crente e o marido não. Eu te pergunto: quem é o sacerdote neste lar? Isso compromete de alguma forma a liderança do homem em outras instâncias?”, questiona Jabes.
Para Hernandes Dias Lopes, o pastorado que é exercido por uma mulher enquanto o homem é sua “ovelha”, pode trazer dificuldades à convivência do casal. Assim como, quando há uma dupla liderança espiritual no lar.
“Existe, por exemplo, a diferença entre o anglicanismo e o calvinismo. O anglicanismo diz o seguinte: Tudo aquilo que a Bíblia não proíbe nós podemos fazer. O calvinismo diz: Nós podemos fazer tudo aquilo que a Bíblia ordena, prescreve. Um olhava para o aspecto negativo e o outro para o positivo. Na nossa visão, só podemos adotar uma prática que a Bíblia prescreve. Se você examinar o Novo Testamento você não vê a prescrição da mulher no oficialato da igreja”, aponta o reverendo da 1ª IPB de Vitória (ES).
O título
A psicóloga Sônia interpreta que a mulher que exerce funções na igreja não deve sentir-se inferiorizada por não receber títulos de liderança. “A autoestima saudável não deve estar ligada com o cargo que se ocupa”, analisa.
Jabes de Alencar explica que mulheres que não são ordenadas como pastoras não devem sentir-se menosprezadas. “Há muitas mulheres exercendo a função pastoral – à frente de círculos de oração, pregando em congressos e eventos, ministrando lições na EBD, fazendo estudos bíblicos etc – mas não têm o título de pastora. Portanto, o problema está em superestimar o termo”.
Usando a passagem de Efésios 5, Hernandes Dias Lopes explica o conceito de submissão: “Eu pergunto a você: A Igreja se sente inferior porque ela é submissa a Cristo? Em absoluto. Quanto mais submissa a Cristo a Igreja é, mais honrada ela é. Submissão não é uma questão de inferioridade. É uma ‘missão sob missão’ de outrem [...] Então, a submissão não é inferioridade. A mulher não precisa, nem deve, nem pode, sentir-se inferior. Pelo contrário, a posição que Deus deu à mulher é de cuidado, de proteção. Ela não tem que ter esse peso sobre as costas. Esse peso cabe ao homem, é assim que Deus estabeleceu”.
Para a pastora Rita de Cássia, sentir-se bem na prestação de serviços ao Reino, é uma questão de escolha: “Existem muitas igrejas, muitas formas de cultuar a Deus, porque as pessoas são diferentes. Se uma mulher está ali, servindo a Deus ali, é porque ela se adapta e se sente bem [...] Eu não acho que elas sintam-se inferiores. Elas estão ali porque gostam, estão servindo a Deus daquela forma [...] Então ele coloca cada um no seu lugar certinho”.
Fonte: Guia-me
Por Adriana Amorim – www.guiame.com.br
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