segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A clareza, a necessidade e a suficiência da Bíblia.


A clareza, a necessidade e a suficiência da Bíblia.

Nota: AT= Antigo Testamento ; NT = Novo Testamento

Somente os estudiosos da Bíblia podem entendê-la corretamente?
Para que propósitos a Bíblia é necessária?
Será que a Bíblia é suficiente para conhecermos o que Deus quer que pensemos ou façamos?
Depois de estudar no capítulo 2 sobre a autoridade que a Bíblia afirma possuir, voltamo-nos agora para outras três características da Escritura para completar a nossa discussão a respeito do que a Bíblia ensina sobre si mesma.

EXPLICAÇAO E BASE BÍBLICA

Qualquer pessoa que tenha começado a ler a Bíblia com seriedade haverá de perceber que algumas partes dela podem ser entendidas muito facilmente, ao passo que outras partes parecem mais difíceis. Embora devamos admitir que nem todas as partes da Escritura sejam facilmente entendidas, seria um erro pensar que a maior parte da Escritura ou que a Escritura em geral seja difícil de ser entendida. De fato, o AT e o NT muitas vezes afirmam que a Escritura é escrita de tal forma que seus ensinos são inteligíveis para crentes comuns. Portanto, examinaremos primeiro a doutrina da clareza da Escritura.
Além da questão de nossa capacidade de entender a Escritura, temos a questão de sua necessidade: Precisamos conhecer o que a Bíblia diz para saber que Deus existe? Ou que somos pecadores necessitados de salvação? Essa é a espécie de perguntas que a investigação da necessidade da Escritura pretende responder.
Finalmente, faremos uma breve análise da suficiência da Escritura. Devemos procurar outras palavras de Deus em adição às que já temos na Escritura? Será que a Bíblia é suficiente para que conheçamos o que Deus requer que creiamos ou façamos? A doutrina da suficiência da Escritura focaliza essas perguntas.

A. A clareza da Escritura

1. A Bíblia muitas vezes afirma a própria clareza.

A Bíblia muitas vezes fala de sua clareza e da responsabilidade dos crentes de lê-la e de entendê-la. Em uma passagem muito conhecida, Moisés diz ao povo de Israel: “Que todas estas palavras que hoje lhe ordeno estejam em seu coração. Ensine-as com persistência a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver sentado em casa, quando estiver andando pelo caminho, quando se deitar e quando se levantar” (Dt 6.6,7). Esperava-se que todas as pessoas de Israel fossem capazes de entender as palavras da Escritura o suficiente para conseguir ensiná-las a seus filhos. Esse ensino não consistiria meramente em memorização mecânica esvaziada de entendimento, porque o povo de Israel deveria discutir as palavras da Escritura durante suas atividades, quando estivesse assentado em suas casas, ou ao se deitar ou ao se levantar pela manhã. Deus esperava que todos dentre o seu povo conhecessem e fossem capazes de falar a respeito de sua Palavra com a devida aplicação às situações comuns da vida.
É dito que o caráter da Escritura é de tal modo que mesmo “os inexperientes” podem compreendê-la corretamente, tornando-se sábios. “Os testemunhos do SENHOR são dignos de confiança, e tornam sábios os inexperientes” (Sl 19.7). Em outro lugar lemos que “a explicação das tuas palavras ilumina e dá discernimento aos inexperientes” (Sl 119.130). Aqui, a pessoa “inexperiente” não é meramente a que carece de capacidade intelectual, mas a que carece de julgamento sadio, que é propensa a cometer erros e que é facilmente induzida ao erro. A Palavra de Deus é inteligível, tão clara que torna sábia até mesmo essa espécie de pessoa. Isso deve servir de grande encorajamento a todos os crentes. Nenhum crente deve pensar de si mesmo como se fosse incapaz de ler a Escritura e de entendê-la suficientemente para se tornar sábio por meio dela.
Há uma ênfase semelhante no NT. O próprio Jesus, em seus ensinos, suas conversas e discussões, nunca responde a quaisquer perguntas com o intento de acusar as Escrituras do AT de não serem claras. Ao contrário, estivesse ele falando a estudiosos ou a pessoas comuns sem preparo, suas respostas sempre presumem que a acusação de entendimento errôneo de qualquer ensino da Escritura não deve ser colocada sobre a Escritura, mas sobre os que a entendem erroneamente ou que se recusam a aceitar o que está escrito. Repetidamente ele responde a perguntas com afirmações semelhantes a estas: “Vocês não leram...”(Mt 12.3,5; 19.14; 22.31),”Vocês nunca le­ram isto nas Escrituras?” (Mt 2 1.42), ou mesmo: “Vocês estão enganados porque não conhecem as Escrituras nem o poder de Deus!” (Mt 22.29; v. tb. Mt 9.13; 12.7; 15.3; 21.13; Jo 3.10).
Para que não pensemos que o entendimento da Bíblia era de certo modo mais fácil para os cristãos do primeiro século que para nós, é importante percebermos que em muitos exemplos as cartas do NT foram escritas a igrejas que tinham grandes percentuais de cristãos gentílicos. Eles eram cristãos relativamente novos que não tinham nenhum conhecimento prévio de qualquer espécie de sociedade cristã, e que tinham pouco ou nenhum entendimento anterior da história e da cultura de Israel. Os eventos da vida de Abraão (c. 2000 a.C.) estavam no passado tão distante deles como os eventos do NT estão de nós! Não obstante, os autores do NT não mostraram qualquer hesitação, esperando que mesmo esses cristãos gentios fossem capazes de ler uma tradução do AT em sua língua e de entendê-la corretamente (v.Rm 4.1-25; 15.4; lCo 10.1-11; 2Tm 3.16,17 ).

2. As qualidades morais e espirituais necessárias para o entendimento correto.

Os escritores do NT muitas vezes afirmam que a capacidade de entender a Escritura corretamente é mais uma capacidade moral e espiritual que intelectual: “Quem não tem o Espírito não aceita as coisas que vêm do Espírito de Deus, pois lhe são loucura; e não é capaz de entendê-las, porque elas são discernidas espiritualmente” (1 Co 2.14; cf. 1.18—3.4; 2Co 3.14-16; 4.3,4,6; Hb 5.14; Tg 1.5,6; 2Pe 3.5; cf. Mc 4.11,12; Jo 7.17; 8.43). Assim, embora os autores do NT afirmem que a Bíblia em si mesma seja escrita com clareza, eles também afirmam que ela não será entendida corretamente por aqueles que não estão desejosos de receber seus ensinos. A Escritura é capaz de ser entendida por todos os descrentes que vão lê-la sinceramente buscando salvação e pelos crentes que a lerão procurando a ajuda de Deus para entendê-la. Isso acontece porque, em ambos os casos, o Espírito Santo opera vencendo os efeitos do pecado, que de outra forma fariam a verdade parecer tolice (lCo 1.18-25; 2.14; Tg 1.5,6,22-25).

3. Definição de clareza da Escritura.

A fim de resumir esse material bíblico, podemos afirmar ­que a Bíblia foi escrita de tal modo que todas as coisas necessárias para a salvação e para nossa vida cristã e nosso crescimento são muito claramente demonstradas na Escritura. Embora certos teólogos já tenham definido a clareza da Escritura de modo mais estrito (dizendo, por exemplo, que ela é clara somente no ensino do caminho da salvação), os textos citados anteriormente aplicam—se a muitos aspectos diferentes do ensino bíblico e não parecem dar apoio a tal limitação às áreas em que se considera que ela fala claramente. Parece mais fiel aos textos bíblicos citados definir a clareza da Escritura do seguinte modo: A clareza da Escritura significa que a Bíblia foi escrita de tal modo que seus ensinos são passíveis de ser entendidos por todos que a lêem procurando pela ajuda de Deus e que estão desejosos de recebê-la. Uma vez que afirmemos isso, contudo, devemos também reconhecer que muitas pessoas, mesmo as do povo de Deus, ainda compreendem erroneamente a Escritura.

4. Por que as pessoas compreendem erroneamente a Escritura?

Durante o tempo do ministério de Jesus, os próprios discípulos às vezes falharam no entendimento do AT e até de seus ensinos (v. Mt 15.16; Mc 4.10-13; 6.52; 8.14-21; 9.32; Lc 18.34; Jo 8.27; 10.6). Embora isso algumas vezes se deva ao fato de que eles simplesmente precisavam esperar por eventos adicionais na história da redenção, e especialmente na vida do próprio Cristo (v. Jo 12.16; 13.7; cf. Jo 2.22), houve também ocasiões em que isso aconteceu devido à própria falta de fé deles ou à sua dureza de coração (Lc 24.25). Além disso, houve momentos na igreja primitiva quando os cristãos não entenderam ou não concordaram com os ensinos do AT ou a respeito das cartas escritas pelos apóstolos: observe o processo de crescimento em entendimento quanto às implicações da inclusão dos gentios na igreja (culminando em “muita discussão” [At 15.7] no Concílio de Jerusalém em Atos 15), e observe o entendimento errôneo que Pedro teve desse assunto em Gálatas 2.11-15. De fato, no decorrer de toda a história da igreja, as discordâncias doutrinárias têm sido muitas, e o progresso na resolução dessas diferenças doutrinárias foi muitas vezes lento.
A fim de ajudar as pessoas a evitar erros na interpretação da Escritura, muitos professores de Bíblia têm desenvolvido “princípios de interpretação”, ou orientações para encorajar o crescimento na habilidade de interpretar a Escritura corretamente. A palavra hermenêutica (do grego hermeneuõ, “interpretar”) é o termo mais técnico para esse campo de estudo: Hermenêutica é o estudo dos métodos corretos de interpretação (especialmente a interpretação da Escritura).
Outro termo técnico muitas vezes usado nas discussões sobre a interpretação bíblica é exegese, termo que se refere mais à prática real de interpretar a Escritura, não às teorias e princípios a respeito de como isso deveria ser feito: Exegese é o processo de interpretar o texto da Escritura. Conseqüentemente, quando alguém estuda os princípios de interpretação, isso é chamado “hermenêutica”, mas quando a pessoa aplica esses princípios e começa realmente a explicar o texto bíblico, ele está fazendo “exegese”.
A existência de muitas discordâncias a respeito do significado da Escritura no decorrer de toda a história nos lembra que a doutrina da clareza da Escritura não implica ou sugere que todos os crentes haverão de concordar em todos os ensinos da Escritura. Não obstante, ela nos diz algo muito importante — que o problema sempre repousa não na Escritura, mas em nós mesmos. Afirmamos que todos os ensinos da Escritura são claros e passíveis de ser entendidos, mas também reconhecemos que as pessoas muitas vezes (por causa de seus defeitos) entendem erroneamente o que está claramente escrito na Escritura.
Portanto, à medida que as pessoas crescem na vida cristã, adquirindo mais conhecimento da Escritura conforme gastam tempo estudando-a, haverão de entendê-la melhor. A doutrina da clareza da Escritura diz que a Escritura é passível de ser entendida, não que todos a entenderão igualmente.

5. Encorajamento prático dessa doutrina.

A doutrina da clareza da Escritura tem uma implicação prática muito importante e extremamente encorajadora. Ela nos diz que onde há áreas de discordância doutrinária ou ética (por exemplo, sobre o batismo, predestinação ou governo da igreja), há somente duas causas possíveis de discordância: 1) De um lado, pode ser que estejamos procurando fazer afirmações onde a Escritura silencia. Em tais casos, devemos estar mais preparados para admitir que Deus não tem dado resposta à nossa investigação e permitir que haja diferentes perspectivas dentro da igreja. (Esse muitas vezes é o caso com respeito a diversas questões práticas, como métodos de evangelização, estilos de ensino bíblico ou tamanho apropriado de igreja). 2) De outro lado, é possível que tenhamos cometido erros em nossa interpretação da Escritura. Isso pode ter acontecido porque os dados que usamos para decidir uma questão de interpretação foram inexatos ou incompletos. Ou isso se deve a algumas insuficiências pessoais de nossa parte, como orgulho pessoal, avidez, falta de fé, egoísmo, ou mesmo falha em dedicar tempo suficiente à leitura e estudo da Escritura acompanhados de oração.
Mas em nenhum caso somos livres para dizer que o ensino da Bíblia sobre qualquer assunto seja confuso ou não seja passível de ser entendido corretamente. Em nenhum caso devemos pensar que as discordâncias persistentes sobre algum assunto no decorrer da história da igreja signifiquem que não sejamos capazes de chegar à conclusão correta sobre a questão. Antes, se a preocupação genuína a respeito de tal assunto surge em nossa vida, devemos sinceramente buscar a ajuda de Deus e, então, ir à Escritura, pesquisando com toda a nossa aptidão, crendo que Deus irá nos capacitar para termos o entendimento correto.

6. O papel dos estudiosos.

Existe algum papel a ser desempenhado pelos estudiosos da Bíblia ou por aqueles com conhecimento especializado em hebraico (para o AT) e em grego (para o NT)? Certamente há uma função para eles em ao menos quatro áreas.
Primeiro, eles podem ensinar a Escritura com muita clareza, comunicando o seu conteúdo a outros, e assim cumprem o ofício de ”mestre”, que é mencionado no NT (lCo 12.28; Ef 4.11).
Segundo, eles podem explorar novas áreas para o entendimento dos ensinos da Escritura. Essa exploração raramente envolverá a negação dos principais ensinos que a igreja tem sustentado através dos séculos; muitas vezes, no entanto, envolverá a aplicação da Escritura a novas áreas da vida, em resposta às questões difíceis que têm sido levantadas tanto por crentes como por não-crentes em cada novo período da história, bem como a contínua atividade de refinar e tornar mais preciso o entendimento da igreja dos pontos detalhados de interpretação de versículos isolados ou de assuntos de doutrina ou de ética.
Terceiro, eles podem defender os ensinos da Bíblia contra os ataques de outros estudiosos ou daqueles com treinamento técnico especializado. O papel de ensino da Palavra de Deus às vezes envolve a correção de falsos ensinos. Uma pessoa deve ser capaz não somente de “encorajar outros pela sã doutrina”, mas também de “refutar os que se opõem a ela” (Tt 1.9; 2Tm 2.25: “Deve corrigir com mansidão os que se lhe opõem...”; e Tt 2.7,8). Algumas vezes, os que atacam os ensinos bíblicos têm treinamento especializado e conhecimento técnico em estudos históricos, lingüísticos ou filosóficos e usam esse preparo para montar ataques sofisticados contra o ensino da Escritura. Em tais casos, os crentes com habilidades especializadas semelhantes podem usar seu preparo para entender e responder a tais ataques.
Em última análise, eles podem suplementar o estudo da Escritura para o benefício da igreja. Estudiosos da Bíblia muitas vezes têm o preparo que os capacitará a relacionar os ensinos da Escritura à rica história da igreja e a tornar a interpretação da Escritura mais precisa, bem como o seu significado mais vívido, relacionado ao conhecimento maior das línguas e culturas nas quais a Bíblia foi escrita.
Essas quatro funções beneficiam a igreja como um todo, e todos os crentes devem ser agradecidos por aqueles que as realizam. Contudo, essas funções não incluem o direito de decidir pela igreja como um todo qual é a verdadeira ou falsa doutrina, ou qual é a conduta adequada para uma situação difícil. Se tal direito de preservação fosse dos estudiosos da Bíblia formalmente treinados, então eles se tornariam a elite governante na igreja, e o funcionamento ordinário do governo da igreja, como descrito no NT, cessaria de existir. O processo de tomar decisões pela igreja deve ser deixado aos oficiais da igrejas, sejam eles estudiosos ou não (e, nas igrejas onde há a forma congregacional de governo, não somente aos oficiais, mas também às pessoas da igreja como um todo).

B. A necessidade da Escritura

A necessidade da Escritura pode ser definida do seguinte modo: A necessidade da Escritura significa que a Bíblia é necessária para o conhecimento do evangelho, para a manutenção da vida espiritual e para certo conhecimento da vontade de Deus, mas não é necessária para saber que Deus existe ou para saber algo a respeito do caráter de Deus e das leis morais.
Essa definição pode agora ser explicada em suas várias partes.

1. A Bíblia é necessária para o conhecimento do evangelho.

Em Romanos 10.13,14,17, Paulo diz: “...porque ‘todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo’. Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão, se não houver quem pregue? [...] Conseqüentemente, a fé vem por se ouvir a mensagem, e a mensagem é ouvida mediante a palavra de Cristo”.
Essa afirmação indica a seguinte linha de raciocínio: 1) Ela presume que a pessoa deve invocar o nome do Senhor a fim de ser salva. (No uso paulino em geral, assim como no contexto específico [cf.v.9],”Senhor”refere-se ao Senhor Jesus Cristo.) 2)As pessoas só podem invocar o nome de Cristo se crêem nele (isto é, aquele que é o Salvador digno de ser invocado, que responderá aos que o invocam). 3) As pessoas não podem crer em Cristo a menos que tenham ouvido a respeito dele. 4) Elas não podem ouvir de Cristo a menos que haja alguém que lhes fale a respeito de Cristo (um “pregador”). 5) A conclusão é que a fé salvadora vem pelo ouvir — isto é, por ouvir a mensagem do evangelho — e ouvir a mensagem do evangelho vem por meio da pregação de Cristo. A conclusão parece ser que, sem ouvir a pregação do evangelho de Cristo, ninguém pode ser salvo.
Essa passagem é uma das diversas que mostra que a salvação eterna vem somente por meio da fé em Jesus Cristo, e não de Outro modo. Falando de Cristo, João 3.18 diz: “Quem nele crê não e condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no nome do Filho Unigênito de Deus”. De modo semelhante, em João 14.6, Jesus diz: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim”.’
Mas se as pessoas podem ser salvas somente por meio da fé em Cristo, alguém poderia perguntar como os crentes da antiga aliança podiam ser salvos. A resposta deve ser que os que foram salvos sob a antiga aliança foram salvos por meio da confiança em Cristo, embora sua fé fosse um “olhar adiante” baseado na palavra da promessa de Deus de que o Messias ou o Redentor haveria de vir. Falando dos crentes do AT como Abel, Enoque, Noé, Abraão e Sara, o autor de Hebreus diz: “Todos estes vive ram pela fé, e morreram sem receber o que tinha sido prometido; viram-no de longe...” (Hb 11.13). E Jesus pôde dizer de Abraão: “Abraão, pai de vocês, regozijou-se porque veria o meu dia; ele o viu e alegrou-se” (Jo 8.56). Isso se refere certamente à alegria de Abraão em olhar em direção ao dia do Messias prometido. Assim, mesmo os crentes do AT possuíam fé salvadora em Cristo, para quem eles olharam, não com o conhecimento exato dos detalhes históricos da vida de Cristo, mas com grande fé na absoluta confiabilidade da palavra da promessa de Deus.
A Bíblia é necessária para a salvação, portanto, neste sentido: uma pessoa deve ler a mensagem do evangelho da Bíblia por si própria ou ouvi-la de outra pessoa. Mesmo os crentes que alcançaram a salvação na antiga aliança obtiveram-na quando confiaram nas palavras de Deus que prometiam o Salvador que estava para vir.
Há outras idéias que diferem deste ensino bíblico. O inclusivismo é o pensamento de que as pessoas podem ser salvas pela obra de Cristo sem conhecer nada a respeito dele e sem confiar nele, mas simplesmente por seguirem sinceramente a religião que conhecem. Os inclusivistas freqüentemente falam a respeito de “muitos caminhos diferentes para Deus” mesmo que enfatizem que eles pessoalmente crêem em Cristo. O universalismo é o pensamento de que todas as pessoas, em última instância, serão salvas. O pensamento sustentado neste capítulo de que as pessoas não podem ser salvas sem conhecer a respeito de Cristo e da confiança nele é por vezes chamado exclusivismo (embora a palavra em si mesma não seja feliz, por sugerir um desejo excluir outros e, desse modo, falhe em transmitir o tema do alcance missionário, tão forte no NT).

2. A Bíblia é necessária para a manutenção da vida espiritual.

Jesus diz em Mateus 4.4 (citando Dt 8.3) que “nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”. Aqui Jesus indica que nossa vida espiritual é mantida pela nutrição diária com a Palavra de Deus, exatamente como nossa vida física é mantida pela nutrição diária com comida física. Negligenciar a leitura regular da Palavra de Deus é prejudicial para a saúde de nossa alma, como negligenciar a comida física é prejudicial para a saúde de nosso corpo.

3. A Bíblia é necessária para o conhecimento seguro da vontade de Deus.

Será argumentado adiante que todas as pessoas nascidas possuem algum conhecimento da vontade de Deus por meio de sua consciência. Mas esse conhecimento é muitas vezes indistinto e não pode comunicar certeza. De fato, se não houvesse nenhuma Palavra de Deus escrita, não poderíamos nunca adquirir certeza a respeito da vontade de Deus por outros meios, como o conselho de outros, o testemunho interno do Espírito Santo, circunstâncias mudadas e o uso do raciocínio santificado e do senso comum. Esses meios todos poderiam dar uma aproximação da vontade de Deus de modo mais ou menos confiável, mas somente por intermédio deles nenhuma certeza da vontade de Deus poderia ser obtida, ao menos no mundo decaído onde o pecado distorce a nossa percepção do que é certo e do que é errado, conduz ao raciocínio errôneo em nosso processo de pensamento e suprime de vez em quando o testemunho de nossa consciência (cf. Jr 17.9; Rm 2.14,15; lCo 8.10; Hb 5.14; 10.22; v. tb. lTm 4.2; Tt 1.15).
Na Bíblia, contudo, temos afirmações claras e definidas a respeito da vontade de Deus. Deus não nos revelou todas as cosias, mas nos revelou o suficiente para sabermos sua vontade: “As coisas encobertas pertencem ao SENHOR, o nosso Deus, mas as reveladas pertencem a nós e aos nossos filhos para sempre, para que sigamos todas as palavras desta lei” (Dt 29.29). Como foi no tempo de Moisés, assim é conosco hoje: Deus nos revelou suas palavras a fim de que pudéssemos obedecer a suas leis e, desse modo, fazer sua vontade. Ser “irrepreensível” à vista de Deus é viver “conforme a lei do SENHOR” (Sl 119.1). O homem “feliz” é aquele que não segue o conselho dos ímpios (S1 1.1), mas “sua satisfação está na lei do SENHOR” (Sl 1.2). Amar a Deus (e, assim, agir de modo que o agrade) é “obedecer aos seus mandamentos” (1Jo 5.3). Se podemos ter certo conhecimento da vontade de Deus, devemos obtê-lo mediante o estudo da Escritura.
De fato, em certo sentido pode ser argumentado que a Bíblia é necessária para se obter algum conhecimento a respeito de qualquer coisa. Um filósofo poderia argumentar da seguinte maneira:
O fato de que não conhecemos tudo requer de nós que estejamos incertos a respeito de cada coisa que afirmamos conhecer. Isso é assim porque algo que desconhecemos pode ainda surgir para provar que o que pensamos ser verdadeiro é realmente falso. Contudo, Deus conhece todos os fatos que aconteceram ou acontecerão. E este Deus, que nunca mente, falou-nos na Escritura, na qual ele nos declara muitas coisas a respeito de si mesmo, de nós próprios e do universo que criou. Nenhum fato pode jamais surgir para contradizer a verdade falada por Aquele que é onisciente.
Assim, é apropriado para nós estar mais seguros a respeito das verdades que lemos na Escritura do que sobre qualquer outro conhecimento que temos. Se fôssemos falar a respeito de graus de certeza de conhecimento que temos, então o conhecimento que obtemos da Escritura teria o mais alto grau de certeza. Se a palavra certo pode ser aplicada a qualquer espécie de conhecimento humano, ela pode ser aplicada a este conhecimento. Os cristãos que sustentam a Bíblia como Palavra de Deus livram-se do ceticismo filosófico a respeito da possibilidade de obter conhecimento seguro com nossa mente finita. Nesse sentido, então, é correto dizer que, para pessoas que não são oniscientes, a Bíblia é necessária para o conhecimento seguro a respeito de tudo.

4. Mas a Bíblia não é necessária para se saber que Deus existe ou para saber algo a respeito do caráter de Deus e das leis morais.

Que dizer de pessoas que não lêem a Bíblia? Elas podem obter algum conhecimento de Deus? Elas podem conhecer certas coisas a respeito de suas leis? Sim, é possível algum conhecimento de Deus sem a Bíblia, mesmo que não seja um conhecimento seguro.
a. A revelação geral e a revelação especial. As pessoas podem obter o conhecimento de que Deus existe e de alguns de seus atributos simplesmente por observar a si mesmas e ao mundo que as rodeia. Davi diz: “Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos” (Sl 19.1). Olhar para o céu significa ver a evidência do infinito poder, sabedoria e mesmo beleza de Deus; significa observar o testemunho majestoso da glória de Deus.
Mesmo aqueles que, por sua impiedade, suprimem a verdade, não podem evitar as evidências da existência e da natureza de Deus na ordem da criação:
Pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis; porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e o coração insensato deles obscureceu-se Rm 1.19-21).
Aqui Paulo não diz somente que a criação dá evidência da existência e do caráter de Deus, mas também que mesmo os ímpios reconhecem essa evidência. O que pode ser conhecido a respeito de Deus “é manifesto entre eles”, e realmente eles conheceram Deus (ao que parece, eles conheceram quem ele era), mas “não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças”. Essa passagem nos permite dizer que todas as pessoas, mesmo as mais ímpias, possuem algum conhecimento interno ou percepção de que Deus existe e que ele é o Criador poderoso. Esse conhecimento é visto “por meio das coisas criadas”, expressão que se refere a toda a criação, incluindo a raça humana.
Paulo continua a mostrar em Romanos 1 que mesmo os descrentes que não possuem nenhum registro escrito das leis de Deus ainda têm em suas consciências algum entendimento das exigências morais de Deus. Falando de uma longa lista de pecados (“inveja, homicídio, rivalidades, engano...”), Paulo diz dos ímpios que os praticam: “Embora conheçam o justo decreto de Deus, de que as pessoas que praticam tais coisas merecem a morte, não somente continuam a praticá-las, mas também aprovam aqueles que as praticam” (Rm 1.32). Os ímpios sabem que seus pecados são errados, ao menos em grande medida.
Paulo fala então a respeito da atividade da consciência nos gentios que não possuem a lei escrita: “De fato, quando os gentios, que não têm a Lei, praticam naturalmente o que ela ordena, tornam-se lei para si mesmos, embora não possuam a Lei; pois mostram que as exigências da Lei estão gravadas em seu coração. Disso dão testemunho também a sua consciência e os pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os” (Rm 2.14,15).
A consciência dos descrentes testemunha dos padrões morais de Deus, mas às vezes essa evidência da lei de Deus no coração deles é distorcida ou suprimida. Às vezes seus pensamentos os acusam e às vezes seus pensamentos os defendem, diz Paulo. O conhecimento das leis de Deus derivado de tais fontes nunca é perfeito, mas é suficiente para criar a consciência das exigências morais de Deus para toda a raça humana. (E é com base nisso que Paulo argumenta que toda a humanidade é considerada culpada diante de Deus pelo pecado, mesmo os que não possuem as leis escritas de Deus na Escritura).
O conhecimento da existência, do caráter e da lei moral de Deus, que vem por meio da criação para toda a humanidade, é muitas vezes chamado “revelação geral” (porque ela vem a todas as pessoas).A revelação geral vem por meio da observação da natureza, por meio da percepção da influência direta de Deus na história e por meio do senso interior da existência de Deus e de suas leis que ele colocou dentro de cada pessoa. A revelação geral é distinta da revelação especial, que se refere às palavras de Deus dirigidas a pessoas específicas, como as palavras que estão na Bíblia, as palavras dos profetas do AT e dos apóstolos do NT, e as palavras de Deus faladas diretamente, como aquelas ditas no monte Sinai e no batismo de Jesus.
O fato de que todas as pessoas conhecem alguma coisa das leis morais de Deus é uma grande bênção para a sociedade, pois sem elas não haveria restrição social à prática do mal que as pessoas cometeriam nem refreamento vindo de suas consciências. Porque há algum conhecimento comum do certo e do errado, os cristãos podem muitas vezes estabelecer grande consenso com os não-cristãos em matéria da lei civil, padrões de comunidade, ética básica de negócios e de atividade profissional, além de padrões de conduta aceitáveis na vida cotidiana. O conhecimento da existência e do caráter de Deus também proporciona uma base de informação que capacita o evangelho a fazer sentido para o coração e a mente do não-cristão; os descrentes sabem que Deus existe e que eles quebraram os seus padrões, de modo que as novas de que Cristo morreu para pagar por seus pecados deveriam soar verdadeiramente como boas novas para eles.
b. A revelação especial é necessária para a salvação. Contudo, deve ser enfatizado que em nenhum lugar a Escritura indica que as pessoas podem conhecer o evangelho, ou o caminho da salvação, por meio da revelação geral. Elas podem saber que Deus existe, que ele as criou, que elas lhe devem obediência e que elas pecaram contra ele. Mas como a santidade e a justiça de Deus podem ser conciliadas com o seu desejo de perdoar pecados é um mistério que nunca foi resolvido por religião alguma à parte da Bíblia. Nem a Bíblia nos dá qualquer esperança de que tal mistério possa ser desvendado independentemente da revelação específica de Deus. É uma grande maravilha de nossa redenção que o próprio Deus tenha providenciado o caminho de salvação por enviar o próprio Filho, que é tanto Deus como homem, para ser o nosso representante e suportar a penalidade de nossos pecados, combinando dessa forma a justiça e o amor de Deus de modo infinitamente sábio e por meio de um ato maravilhosamente gracioso. Esse fato, que parece lugar-comum aos ouvidos do cristão, não deveria perder o seu encanto para nós: ele nunca poderia ter sido concebido somente pelo homem independentemente da revelação verbal e especial de Deus.

C. A suficiência da Escritura

Podemos definir a suficiência da Escritura da seguinte maneira: A suficiência da Escritura significa que a Escritura continha todas as palavras de Deus que ele pretendeu que seu povo tivesse em cada estágio da história redentora, e que agora ela contém tudo o que precisamos que Deus nos diga para nossa salvação, para confiarmos nele perfeitamente e para que lhe obedeçamos perfeitamente.
Essa definição enfatiza o fato de que é na somente Escritura que devemos procurar as palavras de Deus para nós. Ela também nos lembra que Deus considera o que nos tem dito na Bíblia como suficiente para nós e que devemos nos regozijar na grande revelação que ele nos deu, ficando contentes com ela.
A explicação e o apoio bíblico significativos para essa doutrina são encontrados nas palavras de Paulo a Timóteo: “Porque desde criança você conhece as Sagradas Letras, que são capazes de torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus” (2Tm 3.15).O contexto mostra que “as Sagradas Letras” aqui significam as palavras escritas na Escritura (2Tm 3.16). Isso é a indicação de que as palavras de Deus que temos na Escritura são todas as palavras de Deus de que precisamos a fim de que sejamos salvos; essas palavras são capazes de nos tornar sábios “para a salvação”.
Outras passagens indicam que a Bíblia é suficiente para equipar-nos para viver a vida cristã. Em Salmos 119.1 afirma-se: “Como são felizes os que andam em caminhos irrepreensíveis, que vivem conforme a lei do SENHOR!”. Esse versículo mostra a equivalência entre ser irrepreensível e “viver conforme a lei do SENHoR”; os irrepreensíveis são os que andam na lei do Senhor. Aqui temos a indicação de que tudo o que Deus requer de nós está registrado na Palavra escrita. Simplesmente fazer tudo o que a Bíblia ordena é ser irrepreensível à vista de Deus. Mais tarde lemos que um jovem pode “manter pura a sua conduta”. Como? “Vivendo de acordo com a tua palavra” (Sl 119.9). Paulo diz que Deus deu a Escritura a fim de que o homem de Deus fosse “plenamente preparado para toda boa obra” (2Tm 3.17).

1. Encontramos tudo o que Deus disse sobre tópicos específicos e podemos encontrar respostas às nossas perguntas.

Naturalmente, percebemos que nunca obedeceremos perfeitamente a toda a Escritura nesta vida (v. Tg 3.2; lJo 1.8-10). Assim, à primeira vista pode não parecer muito importante dizer que tudo o que temos de fazer é o que Deus nos ordena na Bíblia, visto que nunca seremos capazes de obedecer a ela em todas as coisas, de qualquer forma. Mas a verdade da suficiência da Escritura é de grande importância para nossa vida cristã, porque ela nos capacita a concentrar nossa busca das palavras de Deus para nós somente na Bíblia e nos livra da tarefa infindável de pesquisar em todas os escritos dos cristãos por meio de toda a história, ou nos ensinos da igreja, ou em todas as sensações e impressões subjetivas que vêm à nossa mente dia após dia, a fim de saber o que Deus requer de nós. De modo muito prático, isso significa que somos capazes de chegar a conclusões claras sobre muitos ensinos da Escritura.
Essa doutrina significa, além disso, que é possível coletar todas as passagens que dizem respeito diretamente a questões doutrinárias como a expiação, ou a pessoa de Cristo, ou a obra do Espírito Santo na vida dos crentes hoje. Nessas e em centenas de outras questões morais ou doutrinárias, o ensino bíblico a respeito da suficiência da Escritura dá-nos confiança de que nós seremos capazes de saber o que Deus requer que pensemos ou façamos nessas áreas. Em muitas dessas áreas podemos obter certeza de que nós, juntamente com a grande maioria da igreja no decorrer da história, encontramos de maneira corretamente formulada tudo o que Deus quer que pensemos ou façamos. Afirmada de modo simples, a doutrina da suficiência da Escritura nos diz que é possível estudar teologia sistemática e ética e encontrar nelas respostas às nossas perguntas.

2. A quantidade de Escritura dada foi suficiente em cada estágio da história redentora.

A doutrina da suficiência da Escritura não implica simplesmente que Deus não pode mais acrescentar palavras às que ele já falou ao seu povo. Ao contrário, a doutrina implica que os seres humanos não podem acrescentar, por iniciativa própria, quaisquer palavras às que Deus já falou. Além disso, ela sugere que de fato Deus não falou à raça humana outras palavras mais, em relação às quais ele requeira crença ou obediência, além das que temos na Bíblia.
Esse ponto é importante, porque nos ajuda a entender como Deus poderia dizer a seu povo que suas palavras lhes eram suficientes em muitos pontos diferentes na história da redenção e como ele poderia, não obstante, acrescer outras palavras posteriormente. Por exemplo, em Deuteronómio 29.29 Moisés diz que “as coisas encobertas pertencem ao SENHOR, o nosso Deus, mas as reveladas pertencem a nós e aos nossos filhos para sempre, para que sigamos todas as palavras desta lei”.
Esse versículo nos lembra que Deus sempre tomou a iniciativa de revelar coisas a nós. Ele decidiu o que revelar e o que não revelar. Em cada estágio da história da redenção, as coisas que Deus revelou foram para o seu povo para aquela época, e eles deviam estudá-las, crer nelas e obedece-las. Com o progresso posterior da história da redenção, mais palavras de Deus foram acrescentadas, registrando e interpretando aquela história.

3. Aplicações práticas da suficiência da Escritura.

A doutrina da suficiência da Escritura tem diversas aplicações práticas para nossa vida cristã. A lista seguinte tem a intenção de ser útil, mas não é completa.
a. Encorajamento para buscar respostas na Bíblia. A suficiência da Escritura deveria nos encorajar a tentar descobrir o que Deus queria que pensássemos (a respeito de uma questão doutrinária específica) e que fizéssemos (em certa situação específica). Devemos ser encorajados a encontrar na Escritura tudo o que Deus quer nos dizer a respeito de determinado assunto. Isso não quer dizer que a Bíblia tem resposta para todas as perguntas que possamos imaginar, porque “as coisas encobertas pertencem ao SENHOR, o nosso Deus” (Dt 29.29). Mas significa que, quando enfrentamos um problema de importância genuína para a vida cristã, podemos abordar a Escritura com a certeza de que nela Deus proverá orientação para esse nosso problema.
Haverá ocasiões, naturalmente, em que a resposta que procuramos para nossas perguntas não estará mencionada diretamente na Escritura. (Seria o caso, por exemplo, de tentar encontrar na Escritura que tipo de adoração devemos usar nos cultos dominicais, ou se é melhor ajoelhar ou permanecer em pé quando oramos, ou em que horário devemos tomar nossas refeições durante o dia, e assim por diante.) Nesses casos, podemos concluir que Deus não exigiu que pensássemos ou agíssemos de determinado modo com respeito a essas questões (exceto, talvez, em termos de princípios gerais com respeito a nossas atitudes e metas). Mas, em muitos outros casos, encontraremos orientação direta e clara do Senhor para equipar-nos para “toda boa obra” (2Tm 3.17).
b. Advertência para não acrescentar nada à Escritura.
A suficiência da Escritura lembra-nos que não devemos acrescentar nada à Escritura e que não devemos considerar nenhum outro livro que seja de igual valor ao da Escritura. Esse princípio tem sido violado pela maioria de todas as seitas. Os mórmons, por exemplo, dizem crer na Bíblia, mas também dizem crer na autoridade divina do Livro de Mórmon. Semelhantemente a Ciência Cristã afirma crer na Bíblia, mas na prática considera que o livro Ciência e saúde com a chave das Escrituras, escrito por Mary Baker Eddy, é de igual valor ao da Bíblia ou maior até em matéria de autoridade. Visto que essas pretensões violam os mandamentos de Deus de não acrescentar nada às suas palavras, não devemos pensar que quaisquer palavras adicionais de Deus a nós podem ser encontradas nesses livros. Mesmo nas igrejas cristãs erros semelhantes são cometidos quando as pessoas vão além do que a Escritura ensina e asseveram com grande confiança novas idéias a respeito de Deus ou do céu, baseando seus ensinos não na Escritura, mas em sua especulação, ou mesmo em pretensas experiências de terem morrido e voltado à vida.
c. Advertência para não contar com qualquer outra direção de Deus como igual à Escritura.
A suficiência da Escritura nos mostra que nenhuma das revelações modernas ditas como vindas de Deus deve ser colocada no nível igual à autoridade da Escritura. Várias vezes no decorrer da história da igreja, e particularmente no movimento carismático moderno, pessoas têm asseverado que Deus deu revelações por meio delas para o benefício da igreja. Mesmo pessoas de igrejas não-carismáticas muitas vezes dizem que Deus as “conduziu” ou “guiou” de certo modo. Contudo, ao avaliarmos tais alegações, devemos ser cuidadosos em nunca permitir (na teoria ou na prática) que tais revelações sejam colocadas no nível igual ao da Escritura. Devemos insistir no fato de que Deus não requer de nós que creiamos em nada a respeito de si mesmo ou de sua obra no mundo que esteja contido nessas revelações, mas que não esteja na Escritura. Devemos insistir em que Deus não requer de nós que obedeçamos a qualquer orientação moral que nos venha mediante tais meios, mas que não seja confirmada pela Escritura.A Bíblia contém todas as palavras de Deus em que precisamos confiar e às quais devemos obedecer perfeitamente.
d. Advertência para não acrescentar mais pecados ou exigências aos que já são mencionados na Escritura.
Com respeito à vida cristã, a suficiência da Escritura nos lembra que nada é pecado que não seja proibido pela Escritura explícita ou implicitamente. Andar na lei do Senhor é ser irrepreensível (Sl 119.1). Portanto, não devemos acrescentar proibições às que já estão afirmadas na Escritura. De vez em quando pode haver situações nas quais seria errado para o cristão, por exemplo, beber café ou Coca-Cola, ou ir ao cinema, ou comer carne oferecida a ídolos (v. lCo 8.10), mas a menos que se possa mostrar algum ensino específico ou princípio geral da Escritura proibindo tais atividades (ou semelhantes) para todos os crentes de todas as épocas, devemos insistir em que essas atividades não são em si mesmas pecaminosas e que não são em todas as situações proibidas por Deus para o seu povo.
A descoberta desta grande verdade poderia trazer tremenda alegria e paz para a vida de milhares de cristãos que, gastando horas sem conta procurando a vontade de Deus fora da Escritura, muitas vezes continuam sem saber se a encontraram. Em vez disso, os cristãos que estão convencidos da suficiência da Escritura devem ansiosamente começar a procurar e encontrar a vontade de Deus na Escritura. Eles devem crescer em obediência a Deus, de modo entusiástico e regular, experimentando grande liberdade e paz na vida cristã. Então, serão capazes de dizer, como o salmista:
Obedecerei constantemente à tua lei, para todo o sempre.
Andarei em verdadeira liberdade, pois tenho buscado os teus preceitos. [...].
Os que amam a tua lei desfrutam paz, e nada há que os faça tropeçar.
(Sl 119.44,45,165)
e. Encorajamento para satisfazer-nos com a Escritura.
A suficiência da Escritura lembra-nos de que em nosso ensino ético e doutrinário devemos enfatizar o que a Escritura enfatiza e satisfazer-nos com o que Deus nos tem dito na Escritura. Há alguns assuntos a respeito dos quais Deus nos disse muito pouco ou nada na Bíblia. Devemos lembrar que “as coisas encobertas pertencem ao SENHOR” (Dt 29.29) e que Deus revelou-nos na Escritura exatamente o que considera o suficiente para nós. Devemos aceitar isso, e não pensar que a Escritura é algo menos que deveria ser ou começar a desejar que Deus nos tivesse dado muito mais informações a respeito desses assuntos sobre os quais há pouca menção na Escritura.
Os assuntos doutrinários que têm dividido as denominações protestantes evangélicas são quase sempre assuntos nos quais a Bíblia coloca relativamente pouca ênfase e outros sobre os quais são tiradas conclusões muito mais em razão de inferências habilidosas que de afirmações bíblicas diretas. Por exemplo, diferenças denominacionais constantes têm ocorrido ou sido mantidas por causa da forma “apropriada” de governo da igreja, da natureza precisa da presença de Cristo na Ceia do Senhor e da seqüência exata dos eventos que circundam a volta de Cristo.
Não devemos dizer que todas essas questões sejam sem importância, nem devemos dizer que a Escritura não dê solução alguma para qualquer delas (de fato, com respeito a muitas delas, a solução específica será defendida nos capítulos subseqüentes deste livro). Contudo, visto que todos esses tópicos recebem relativamente pouca ênfase direta na Escritura, é irônico e trágico que líderes denominacionais com freqüência gastem muito de sua vida defendendo precisamente os pontos doutrinários de menor importância que fazem com que suas denominações difiram das outras. Tal esforço é realmente motivado pelo desejo de trazer unidade de entendimento para a igreja? Ou origina-se no orgulho humano, no desejo de exercer poder sobre outros? Ou será ainda a tentativa de autojustificação, que é desagradável a Deus e, de modo definitivo, não traz edificação para a igreja?
“Não há implicação, de minha parte, da adoção de ponto de vista cessacionista sobre os dons espirituais (que é o entendimento de que certos dons, tais como a profecia e o falar em línguas tenham cessado com a morte dos apóstolos). Eu simplesmente quero destacar que há um perigo em dar a esses dons, explícito ou implicitamente, um status, que na prática, desafia a autoridade ou a suficiência da Escritura na vida cristã”.

Autor: Wayne Grudem
Fonte: Teologia Sistemática do Autor, Ed. Vida Nova.

Márcio Melânia

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