segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Senso crítico digital


Senso crítico digital

via GemindGemind
de Marcellus Pereira

A súbita ausência de Steven Jobs eclipsou todas as notícias sobre tecnologia destes últimos dias. Apesar de sua importância, vou deixar para refletir sobre sua vida numa outra coluna, já que vocês, caros leitores, devem ter tido sua cota do assunto.

Algo que me assombrou nestas últimas semanas foi a nossa falta de senso crítico. Alguns podem pensar que a sociedade avançou muito desde a queima de hereges e bruxas, ou dos enforcamentos e esquartejamentos em praças públicas, mas eu não vejo grandes avanços. Ainda estamos dispostos a rir, gritar e atirar ovos podres em qualquer um que seja apontado como ‘herege’, ‘bruxo’, ‘luser’, ‘macfag’, ‘wintard’ e por aí vai.

Vejamos dois exemplos: há algum tempo chegou à minha caixa postal, novamente, uma foto do Exmo. Sr. Presidente Luis Inácio, lendo um livro do Imortal Paulo Coelho (“O Aleph”), de cabeça para baixo (o livro, não o presidente).

Foi motivo de piadas jocosas, tocadilhos e dezenas de republicações no Facebook.

O que mais chama a atenção é que as pessoas que acharam a foto engraçada (e, por conseguinte, consideraram Lula um analfabeto) “nunca jamais” abriram um livro. Se o tivessem feito, notariam que é impossível a capa estar ao contrário na mão esquerda de alguém. E olhem que a foto original já renderia uma ótima piada (Lula lendo Paulo Coelho? Precisa falar mais alguma coisa?).

Comentei esse fato com alguns amigos e eles se saíram com a máxima: “ah… mas que é engraçado, é…”. Engraçada é a nossa incapacidade de construir uma crítica além da piada forçada. E, ainda pior: a grande maioria não percebeu e nem fez questão de verificar a autenticidade da foto.

Outro: uma amiga repassou um email alertando para o fato de que um lote de “papinha para nenê” da Nestlè havia sido retirado do mercado porque encontraram cacos de vidro no fundo de algumas embalagens. O email dava o número do lote e pedia, claro, que repassasse a todos os meus amigos, mesmo aqueles que não tivessem filhos pequenos.

Apesar de ter minhas diferenças com a Nestlè, não imagino uma empresa daquele tamanho, que faz um ótimo trabalho no relacionamento com os clientes, ser tão desleixada com seu processo produtivo.

Em cinco minutos, fui até sua página e verifiquei que, realmente, um lote da tal papinha (P’tit Pot Recette Banana) foi retirado do mercado por indícios da presença de vidro em uma embalagem. NA FRANÇA! O produto nem é comercializado no Brasil…

Relatei a história à tal amiga e ela foi muito sincera: “…nem li direito, só repassei…”.

É claro que a tecnologia não é a culpada. Ficou mais fácil propagar esse tipo de coisa com o email (e culminamos com o botão “Share”), mas Orson Welles já provocava pânico com o suposto ataque marciano em 1938.

Eu poderia citar mais dezenas de exemplos, mas vocês já entenderam o ponto. Talvez seja da natureza humana essa credulidade, essa curiosa capacidade de aceitar as coisas mais absurdas como verdades absolutas. Mas também é verdade que precisamos usar melhor (e não mais) o senso crítico ou continuaremos caindo em golpes nigerianos, jogadas “171″ diversas, roubos de cartões de crédito em sites russos, esquemas de ingressos para a Copa…

Nenhum comentário: