segunda-feira, 26 de novembro de 2007

"Somos todos muito pacientes"


Ligo para marcar hora no médico ou no dentista e a mocinha, a ler Paulo Coelho, logo pergunta:
-O senhor já é Paciente?
É quando eu começo a ficar imPaciente.Porque as pessoas que procuram dentistas e médicos são chamadas de Pacientes?Por que não clientes ou mesmo doentes?Não, somos os Pacientes.Por quê?Porque temos que ter paciência.Muita paciência.Senão, vejamos:
Prá começar, temos que ser Pacientes para que a mocinha consiga uma hora para a gente.Se possível, no mesmo mês.E olha que eu estou falando de quem pode ir ao médico.Porque aquelas pobres criaturas de Deus que ficam nas filas do INPS são muito mais que Pacientes.
Depois de conseguir um dia ser atendido(se ainda estiver vivo), temos que ser Pacientes na sala do consultório. Ninguém é tão Paciente como naquela salinha.Você é obrigado a ler uma Veja de 2005, uma Caras com o Maluf na capa e a Época com as últimas novidades de Renan Calheiros.Mas Paciente mesmo é quando não tem revistas e apenas revistas médicas, que anunciam remédios.Que anúncios indecentes,gente.Já notaram como são pornográficas aquelas revistas? Mamas dilaceradas, pênis gigantes, dentes podres,pâncreas ao vivo, intestinos delgados e finos, sangrentas gengivites amareladas.Tudo ali na sua cara,com cores berrantes,agressivas.Como somos pornográficos internamente, meu Deus.
Depois tem que ser Paciente para entender as perguntas do clínico.Paciente para aceitar todas aquelas apalpadelas. Paciente para ficar com boca aberta horas a fio, com aquele motorzinho rondando nossos mais íntimos canais.Paciente para entender, de cara, o diagnóstico.
Ser Paciente mesmo é colocar um aparelho nos dentes e esperar dois, três anos,Pacientemente.
Nunca somos tão Pacientes como quando nos colocam naquele tubo chamado ressonância magnética e temos que ficar lá dentro sem mexer uma pestana ao menos.Quarenta minutos.Ali, percebemos que somos mesmo Pacientes.
Que paciência temos que ter para guardar todos aqules exames de sangue, urina e fezes, que mandamos fazer na semana passada.E paciência para fazer o cocozinho dentro daquela latinha? E vergonha de sair com a latinha por aí, sempre disfarçada?Mas não podemos nunca deixar de ser Pacientes.
Há de ser muito Paciente para decorar as horas daqueles remédios todos.O Paciente que é Paciente nunca entende direito qual é de oito em oito horas e qual é de seis em seis. Nunca batem os horários. Há de ter muita paciência para levantar duas ou três vezes de madrugada e perceber, Pacientemente, que não trouxe o copo de água para o criado-mudo.
Mas antes você já foi muito Paciente para entender a letra do médico. Já foi Paciente para ir até uma ou duas farmácias (nunca tem todos os remédios na mesma),já foi Paciente para pedir o cheque para daí uns dias.
E que paciência de Jó você teve na hora que o médico ou dentista lhe mostrou a conta. Aliás, eles têm tanta vergonha do que cobram que pedem para nós, Pacientes, acertarmos com as mocinhas do Paulo Coelho. Coitadas delas, que devem ficar muito imPacientes ao perceberem que cada conta de cada um dos Pacientes paga o salário inteiro do mês delas.
E depois, já mais velho, deitados no leito de morte, aí, sim, temos que ser o que eles chamam de Paciente Terminal. Você está ali, sabendo que vai morrer, mas não vai deixar nunca de ser Paciente. Temos que esperar a morte Pacientemente.
Até que uma voz de enfermeira venha avisar aos seus entes queridos:
-O Paciente do 206 morreu. Meus pêsames...

Nenhum comentário: