terça-feira, 2 de agosto de 2011

O cristianismo suicida


O cristianismo suicida:
como o “evangelicalismo cult” gosta de veneno!
via Teologia Pentecostal
de Gutierres Siqueira

Minha geração precisa perceber que o cristianismo é mais do que fragilidade chique, autorrevelação infindável e a impassividade que vem com a autenticidade. (Kevin DeYoung) [1]


Recentemente a revista Veja entrevistou o filósofo judeu Luiz Felipe Pondé nas suas famosas “páginas amarelas”. Ele, que não é e nunca foi cristão, fez uma interessante defesa do cristianismo na revista mais lida do país. Ora, isso é motivo de alegria para os cristãos, pensariam aqueles guiados pelo óbvio. Mas não! Para um grupo a entrevista foi um horror! Como assim?

Pondé cometeu o pecado de atacar a sacrossanta Teologia da Libertação. Então, um grupo enorme de devotos da dupla Boff e Betto desqualificou a entrevista do filósofo, não cristão, que defende o cristianismo. É difícil entender esse povo! É a síndrome suicida. Eles preferem filósofos atacando o cristianismo! Esse mesmo grupo estaria em êxtase se um Leonardo Boff da vida dissesse à Carta Capital que o cristianismo é a coisa mais horrenda do mundo.

O próprio filósofo Pondé brinca com essa tendência suicida dos cristãos: “Só que a Teologia da Libertação toma como ferramenta o marxismo, e isso sim é um erro. Um cristão que recorre a Marx, ou a Nietzsche – a quem admiro –, é como uma criança que entra na jaula do leão e faz bilu-bilu na cara dele” [2]. E o leão não costuma ser manso.

Conheço um pastor que fez doutorado em Ciências da Religião em uma famosa universidade protestante. Ele me disse que foi o lugar onde mais ouviu sobre a “herança maldita” do cristianismo. Ali, tudo era culpa dos cristãos, desde a escravidão à opressão econômica. Todos os males do mundo têm um dedo da cristandade, assim se professa nessa universidade cristã (?). Não que devamos ignorar os erros do cristianismo, mas nessa academia seguir a cristandade é sinônimo de desgraça.

A autocrítica é essencial para o cristianismo. Ler a Bíblia é ler um livro que nunca teve medo de esconder o pecado de ninguém, mesmo que esse seja o poderoso Rei Davi ou o espetacular apóstolo Paulo. Nem Pedro e nem ninguém escapou das reprimendas. Mas ao criticarmos a polícia, nos dizia o inglês G. K. Chersteton, não nos esqueçamos dos ladrões:

A autoridade religiosa sem dúvida foi muitas vezes opressora e exorbitante, exatamente como todos os sistemas legais (e especialmente o nosso sistema atual) tem sido insensíveis e cruelmente apáticos. É racional atacar a polícia. Mais que isso, é maravilhoso. Mas os críticos modernos da autoridade religiosa são como homens que atacariam a polícia sem jamais ter ouvido falar de ladrões. Pois a mente humana corre um grande perigo concreto: um perigo tão prático como o latrocínio. Contra esse perigo a autoridade religiosa foi erigida, certo ou errado, como uma barreira. E contra ele algo certamente deve ser erguido como uma barreira, se quisermos evitar a destruição de nossa raça. [3]

Os evangelicais cults (já escrevi sobre eles) são pessoas engraçadas, pois se alguém fala bem do cristianismo eles acham um pecado. Eles escrevem textos descrevendo a tragédia que seria um país de maioria protestante (!). Não que eu ache que o país viraria um paraíso com uma maioria cristã-protestante, mas não vejo nenhuma tragédia se isso um dia acontecer. O “princípio protestante” tem em seu cerne um impeditivo para tendências teocráticas, graças ao bom Deus. Eu também tenho ojeriza pela Teologia do Domínio, mas creio que o protestantismo pode contribuir para o bem do país.

Aliás, como seria bom que alguns valores protestantes influenciassem a nossa cultura ibérica. Valores como a meritocracia, a livre-iniciativa, a liberdade de expressão e outras formações da cultura ocidental devem muito ao protestantismo. Seja o liberalismo norte-americano ou a social-democracia nórdica, o protestantismo teve o seu papel determinante. Já a cultura ibérica prefere o “capitalismo de compadrio”...

Na sua famosa carta, Pedro Vaz de Caminha fala que as terras brasileiras são boas e aproveita para pedir um emprego estatal ao rei. Eis um documento que é a cara do país: terra rica com um povo que busca sempre uma “boquinha do Estado”. Tudo é baseado nas relações (que sejam boas) com o poder.

O Estado laico, por exemplo, é uma típica produção protestante. André Biéler observa:

Mesmo que um Estado laico nunca exista verdadeiramente, tão grande é o poder de sedução das ideologias de substituição, que os políticos no poder procuraram sempre impor, que o crente cristão prefere um Estado laico a qualquer outro, porque, em princípio, este não lhe propõe oficialmente uma ideologia ou uma religião de forma compulsória. [4]

O Estado laico não ensina religião e nem impõe uma educação sexual, por exemplo. Só que em nosso país só existe laicidade para a religião, pois o Estado vive a querer gerir aspectos individuais dos cidadãos, como se esses fossem crianças indefesas. O Estado brasileiro quer, inclusive, determinar que comida possa se comer ou não. É o Estado babá.

Nesse aspecto, a cultura advinda do protestantismo só faria bem ao nosso país. É engraçado ver cristãos (?) empenhados em colocar o cristianismo no armário. Eles sonham com um cristianismo que não saia da casa do sujeito crente. Nada de Teologia do Domínio e a falaciosa Batalha Espiritual que expulsa demônios que guardam cidades, mas o cristão precisa ser visto como cristão em todos os aspectos de sua vida. Não se pode dividir a vida cristã entre o sagrado escondido na intimidade e o secular aos olhos do mundo. Não se deve privatizar a fé. O sagrado permeia toda a vida, como escreveu Francis A. Schaeffer:

A verdadeira espiritualidade abrange toda a realidade. Há coisas que a Bíblia nos mostra como pecaminosas- as quais não estão de acordo com o caráter de Deus. Mas, tirando isso, o senhorio de Cristo abrange toda a vida e toda a vida igualmente. Isto é, a verdadeira espiritualidade abrange não somente toda a vida, mas abrange todas as partes do espectro da vida igualmente. Neste sentido, não há nada na nossa realidade que não seja espiritual. [5]

Não há sacerdotes versus leigos. Todos são sacerdotes do Senhor e em todo o tempo, inclusive no meio cultural. É um princípio protestante, como nos lembra Paul Tillich:

Os que são chamados ao ministério da igreja, ministram exatamente como qualquer outra profissão. Se depois de algum tempo o pastor abandona o seu ministério e se torna comerciante, ou professor, ou sapateiro, ele deixa de ser ministro e não retém em sim nenhum poder sacramental. Qualquer cristão piedoso, por outro lado, pode ter esse poder sacerdotal em relação a outras pessoas sem necessidade de qualquer tipo de ordenação. [6]

Portanto, é sempre espantosa a campanha do evangelicalismo Cult para que o cristianismo saia da arena pública. Não que queremos ser donos da arena, mas por que não podemos participar dela com as demais vozes do mundo? Estado laico não é exclusão da religião, mas sim o impedimento de uma religião majoritária e censuradora das demais. Estado laico não é Estado secular que exclui a religião complemente do debate. Isso não é democracia.

A teologia que perde a Revelação é uma filosofia de quinta categoria!

O problema da chamada teologia contemporânea, que não é tão contemporânea assim, é que essa despreza a revelação. A teologia cristã sem revelação é mera filosofia chata e pobre, inferior a todas as outras filosofias. A Teologia da Libertação, por exemplo, trocou a revelação pelo marxismo. Os teólogos da libertação nada mais não do que sociólogos que fariam sucesso em um partido de extrema-esquerda falando mal do “sistema” enquanto fumariam maconha no campus de FFLCH da USP. Nada mais boçal.

Karl Barth, grande teólogo suíço, já percebia isso no seu enfrentamento com os antigos cults:

A teologia perdeu a sua peculiaridade ao perder a revelação e com isso o grão de mostarda da fé, com a qual se pode transportar montanha. Mesmo a montanha da cultura humanística moderna. A prova de que a teologia havia perdido realmente a revelação está em que lhe foi possível vender seu direito de primogenitura- viver da revelação- ao mudar para receber a noção de religião. [7]

E Barth completa:

Ao tentar comparar e harmonizar a revelação com a religião denuncia uma incompreensão do que seja a revelação como tal. A revelação, obra de Deus, no marco do problema que nos ocupa, deve ser considerada como de natureza superior à religião, obra de homens. Não pode ser de outra maneira. [8]

Comentando um dos textos de Barth sobre as tarefas da teologia, o teólogo católico Joseph Ratzinger observa: “Ao recusar uma filosofia independente da fé como fundamento da fé: a nossa fé estaria então fundamentada, em última análise, em teorias filosóficas mutantes” [9]. É uma verdadeira miséria, já que não temos nem boa teologia e simplesmente uma filosofia rasa.

Isso não quer dizer que a teologia cristã deve desprezar as questões contemporâneas, longe disso, mas sim observar o método que faz a sua leitura do mundo. O método da teologia cristã é a revelação de Jesus Cristo e não uma escola sociológica. A teologia, quando traída pelos próprios teólogos que desprezam a revelação, torna-se mera “antropologia moral inconsistente” [10], para usar uma expressão do filósofo Luiz Felipe Pondé.


Referências Bibliográficas:

[1] DEYOUNG, Kevin e KLUCK, Ted. Não Quero um Pastor Bacana. 1 ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2011. p 39.
[2] Leia a entrevista completa neste link: http://www.blogdokimos.com/entrevista-de-luiz-felipe-ponde-a-veja
[3] CHESTERTON, Gilbert K. Ortodoxia. 1 ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2008. p 55-56.
[4] BIÉLER, André. A Força Oculta dos Protestantes. 1 ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999. p 164.
[5] SCHAEFFER, Francis A. Um Manifesto Cristão em: A Igreja no Século 21. 1 ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2010. p 166.
[6] TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. 4 ed. São Paulo: ASTE, 2007. p 236.
[7] BARTH, Karl. Revelação de Deus: como sublimação da Religião. 1 ed. São Paulo: Fonte Editorial, 2011. p 29-30.
[8] Idem. p 31.
[9] RATZINGER, Joseph. Fé, Verdade , Tolerância: O Cristianismo e as Grandes Religiões do Mundo. 1 ed. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio, 2007. p 127.
[10] PONDÉ, Luiz Felipe. Do Pensamento no Deserto: Ensaios de Filosofia, Teologia e Literatura. 1ed. São Paulo: Edusp, 2009. p 15-16.

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